tw: vício, automultilação, despersonalização e tentativa de suicídio.
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taehyun queria morrer.
a angústia de perceber que estava prestes a se distanciar do corpo outra vez no horário de trabalho assombrava taehyun que beliscava os ossinhos da mão a fim de manter-se ali junto com o corpo. ele olhava fixamente para a janela aberta na tela do notebook; ele não conseguia lembrar o que precisava fazer, mas sabia o que deveria fazer.
um grampo foi arrancado do grampeador que foi jogado de qualquer jeito sobre a mesa. o objeto de pontinhas afiadas girou nas pontas dos dedos de taehyun e ele pressionou em um dos dígitos. não obtendo sucesso em sentir a dor, taehyun pegou outro grampo e o observou entrar no pulso que ficou avermelhado rapidamente ao redor do objeto pequeno.
nada de novo.
a boca de taehyun amargou e ele a sentiu encher-se de água, a garganta queimou e a visão embaçou como uma janela abraçada pelo vapor. suas mãos não paravam de tremer e ele começou a coçar um dos braços, o corpo balançando levemente para frente e para trás. não percebeu quando a pele ficou irritada por tanto esforço, surgindo pequenas gotículas de sangue. não ardia, não doía e taehyun começou a hiperventilar, arrancando os grampos e deixando o resto espalhados na mesa.
as coisas pareciam tão nítidas, mas tão irreais. aquela bolha maldita que ele havia criado para se proteger estava o sufocando outra vez, sugando todo seu oxigênio para deixá-lo sem ar e devolvê-lo apenas para vomitar o desconforto de não estar ali. e quanto mais se importava com a situação, mais fundo os grampos entravam em seu braço. aqueles eram os piercings mais podres que taehyun já tivera com todos aqueles cortes nas mãos.
— o que eu preciso fazer? — ele sussurrou baixo, apoiando o corpo na mesa após levantar da cadeira e quase cair. há quantos minutos taehyun estava naquela cadeira olhando para a porra do notebook sem lembrar do que foi instruído enquanto destruía o próprio corpo? — que porra eu preciso fazer?
carregado pela angústia, taehyun começou a chorar, incrivelmente sentindo o peito esmagar e sufocando seus pulmões como estivesse preso a uma âncora pelo pescoço, as ondas violentas do mar estão invadindo sua respiração para afogá-lo.
era assustador, aquele homem no reflexo era terrivelmente assustador e feio. ele tinha olheiras fundas e os olhos carregados de um medo indecifrável, o rosto esguio com uma barba mal feita era de dar pena. taehyun conseguia ver os lábios curvados para cima e os olhos em pura ameaça.
o corpo de taehyun era leve e distante, ele ainda teve a capacidade de beliscar as costas da mão que estava com cortes recentes — ele não sentiu nada —, tocou firme a carne e piscou lento. seu estômago o avisou do desconforto que poderia sair pela garganta e ele olhou para o espelho outra vez, enjoado em saber que não conseguia reconhecer a si mesmo — desesperado por não ter um rosto, não agora, não ali naquele reflexo distorcido.
ele não era real, nada era, nem mesmo os cortes expulsando sangue pelos punhos, braços, barriga, pernas e onde quer que seja ele. aquilo que nomearam de corpo, composto de carne e ossos não era nada além de um oco profundo para taehyun que não conseguia sentir a si próprio. estava longe de ser dormente, ele só não existia ali, tocando o nada picotado que deixara por muito tempo sangrando.
kang saiu cambaleando para fora do banheiro, sem um rumo específico, mas ele precisava dos remédios. não importa se estariam em uma caixa enterrada no quintal, ele iria encontrá-los. ele esperava que não fosse uma ilusão ao lembrar que tinha escondido um estoque de analgésicos atrás dos quadros pintados por ele mesmo e que o homem que perambulava pela sua casa não os tenha pego.
quando entrou no quarto, os quadros foram derrubados da parede e estavam várias cartelas coladas em uma fita contra a parte traseira da pintura. se taehyun estivesse em seu estado normal, ele teria gritado ao sentir o baque forte dos joelhos contra o chão, mas ao fazer isso sem nenhum receio, arrancou as fitas para longe e as mãos trêmulas pressionaram todos os remédios para fora, até formar uma minúscula montanha em seu colo.
ele colocou um na boca e engoliu com muita dificuldade, depois outro e outro, até juntar todos nas mãos e empurrá-los para dentro, deixando um ou outro cair no chão pelo desespero de sentir algo, de estar drogado. a sensação de que ele estava em uma paralisia do sono aumentava, mas ele não tinha a certeza se haveria um nada se chegasse a morrer como nas inúmeras vezes dentro do subconsciente, virando poeira e deixando que o vento leve o que deveria ser resto, porque taehyun não iria mais existir.
existindo ou não, ele precisava de um corpo para guardar a si mesmo. ele esperava que tudo não passasse de uma ilusão religiosa e que o outro lado fosse apenas mais um achismo. a sua audição iria estourar ao som abafado de algum choro desesperado, então ele desligaria por completo e algum tempo depois seu corpo iria ser destruído por bichos da terra, sobrando mais um túmulo vazio.
as pílulas que não conseguiam passar pela garganta eram expulsas até a ponta da língua, contaminando com o amargo que fazia taehyun ter ânsia. ele não desistiu, tentando colocar para dentro sem nenhum líquido que pudesse ajudá-lo, mas começou a engasgar e ele se arrastou para longe quando ouviu uma voz abafada.
aquele homem estava bem a sua frente, com uma expressão tão assustada quanto o reflexo do espelho de taehyun. ele segurava firme nas mãos em ombros encolhidos. kang tentou se afastar, sentindo-se estranho ao ser tocado (mesmo que não sentisse porra nenhuma), mas os braços daquele homem o apertava com tanta força que ele desistiu instantaneamente.
— taehyun, cospe! — ele negou com a cabeça, sentindo a lateral da mão encostar em seu queixo a espera dos remédios. — cospe, amor, por favor.
quando voltasse para onde deveria — ele não sabia onde estava o seu lugar ou se pertencia a um —, taehyun não iria reagir a nada, ele voltaria apático, forçado e com muita dor.
kang obedeceu, cuspindo todos os remédios na mão trêmula do homem que fungava baixinho. tinha alguém ali, alimentando a vontade de taehyun em agarrá-lo em um abraço desajeitado para que não o deixasse longe.
— eu não sou uma alucinação, taehyun. — ele era bonito, mas cansado e triste, tirando todos aqueles grampos enfiados no braço de taehyun com uma pinça que ele não lembra de vê-lo pegar. kang sentiu cada vez mais próximo aquele desconforto na garganta quando o rosto do homem começou a ficar embaçado, sobrando uma cabeleira grande e escura. — tá tudo bem.
— nada disso existe, mas por que tenho consciência? — ele mexeu os dedos no ar, os olhos escurecendo em um vermelho pelo choro que viria a seguir. taehyun bateu com o punho na cabeça e fechou os olhos com força. o sangue salpicou no chão branco de cerâmica quando o baque correu até os braços. — por que tenho consciência, porra?
algo rapidamente agarrou os pulsos, impedindo que ele continuasse os movimentos com o intuito de sentir alguma dor. taehyun poderia sangrar mais, abrir qualquer parte de seu corpo com algo afiado que ele não conseguiria ficar.
— é tudo tão estranho e confuso… tudo gira como a porra de uma roda-gigante. — taehyun curvou o corpo para frente, incapaz de organizar os próprios pensamentos ao sentir a garganta queimar. estava vindo. — eu quero tanto morrer.
e taehyun vomitou todos os remédios que havia tomado antes de ser encontrado tão vulnerável como agora. ele soluçava de chorar porque taehyun não passava de um pensamento, e quando esse pensamento acabar, taehyun também passará a não existir.
— eu preciso trabalhar… — ele comentou baixo, agarrando-se mais nos braços alheios, ignorando toda a sujeira que envolvia os dois. — mas eu não consigo lembrar o que preciso fazer.
— taehyun… você pediu demissão há um mês.
ele se sentia o ser mais repugnante. tudo não passava de um vazio feito de poeira estelar que poderia desmanchar a qualquer momento.

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flores.
Poetrynão importa, taehyun sempre é arrancado a força. taegyu side | despersonalização