Um Ato de Coragem

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Ela não sabia mais o que fazer. Sentia-se perdida e dominada por sua própria dor. Tudo parecia ter perdido o sentido. Sua vida que sempre pareceu cor de rosa, na verdade era de um tom acinzentado quase preto. Sua infância não foi nada fácil e desde que ela se reconhece por gente, se recorda de ver sua família ruir e o pior, não houve nada que ela pudesse fazer. Afinal, ela era apenas uma garotinha ensinada a sorrir, se comportar diante das pessoas, não falar com ninguém sobre o que acontecia em sua casa e se dedicar aos estudos. Seus pais diziam que se ela fizesse o que eles lhe diziam, tudo acabaria bem e eles seriam uma família feliz. Quando criança, ela acreditava que poderia ter uma família como a de seus colegas, com pais saindo juntos e sorrindo um para o outro de forma espontânea. Mas, com o passar do tempo, ela percebeu que aquilo não aconteceria e que seus pais jamais mudariam.

Elena não entendia por que seus pais não se divorciavam, já que a vida conjugal deles era perturbada. Um casamento de aparência, regido pelo ciúme, desunião e controle da parte de seu pai sobre sua mãe. Elena cresceu naquele ambiente presenciado brigas constantes e agressões verbais de diversos tipos. Ela não conseguia entender como eles ainda conseguiam manter aquela farsa por tanto tempo. Eles já estavam há trinta anos casados. Como eles conseguiam manter as aparências tão bem na frente dos outros.


Com vinte e cinco anos, Elena já não conseguia mais conviver naquele ambiente. Ver sua mãe abaixar a cabeça sempre para as exigências de seu pai deixava furiosa. Elena passou a maior parte da infância e da adolescência ao lado da mãe e estava ciente de que muitas coisas que seu pai dizia sobre sua mãe eram falsas. Claro que ela reconhecia que sua mãe também tinha defeitos, todavia, ela tinha profunda certeza de que sua mãe jamais dera motivos para o ciúme desenfreado de seu pai. Conviver naquele ambiente estava destruindo Elena. Ela sabia que havia chegado a hora de tomar uma decisão em sua vida. Ela precisava assumir responsabilidades se quisesse se afastar do ambiente contaminado pelo ciúme, dor e amargura que se encontrava. Ela precisava crescer mesmo que isso significasse sofrer um pouco. Todavia, ela sabia que não tinha mais nada o que fazer a não ser abandonar a casa paterna e buscar suas realizações pessoais.


Romper com comodismo não é algo fácil. Porém, muitas vezes é necessário se não quiser terminar doente e perdida. Elena sabia que se seguisse os passos de sua mãe, sua vida seria amargurada.


Elena era o tipo de garota que já havia se acostumado à solidão. Ela havia decidido apenas estudar e ter uma carreira. A palavra relacionamento não fazia parte de seu vocabulário. Ela tinha medo de passar pelas mesmas coisas que sua mãe passava. Sabia que não conseguiria ser como sua mãe, pondo um sorriso no rosto independente da situação e fingir estar tudo bem, quando na verdade, tudo está desmoronando. Apesar de ter crescido em um ambiente perturbado, Elena conseguiu formar sua personalidade. Conseguiu enxergar o que não queria para a vida dela, que seria um casamento sem amor, sem companheirismo e sem respeito. É claro que com vinte e cinco anos, já havia tido alguns casos passageiros, mas para ela, era apenas isso. Algo passageiro e sem sentimentos, já que não se permitia amar e nem se entregar.


A única vez que permitiu se entregar a um beijo de verdade, foi em sua festa de formatura. Naquele dia, ela estava tão feliz por estar recebendo seu diploma de designer em moda, que não pensou muito ao se deixar levar pela voz rouca e grave do homem alto e forte que apareceu a sua frente e começou a falar o quanto ela estava linda e radiante. Foi como em um piscar de olhos que a boca dele colou na dela lhe dando um beijo de tirar o folego. Ela desejou pará-lo, mas não conseguiu. A atração e a sensação de prazer que sentiu naquele momento, fez com que permitisse que aquele estranho explorasse cada pedacinho de sua boca e lhe tocasse de diversas formas ao ponto de fazer com que ela quisesse mais e mais. Todavia, o encanto do momento foi quebrado por sua prima, que se aproximou e interrompeu o beijo lhe dizendo discretamente que seus pais estavam indo em direção ao estacionamento em uma discussão acalorada. De imediato, ela se afastou do estranho sem ao menos lhe dizer seu nome e andou até o estacionamento, onde presenciou seus pais brigando sem motivo mais uma vez. Aquilo fez com que ela se sentisse culpada por estar sentindo prazer em ser beijada e tocada por um homem. Um homem que em sua mente acabaria fazendo com ela, o mesmo que seu pai estava fazendo com sua mãe. Daquele dia em diante, ela decidiu esquece-lo e por coincidência nunca mais o encontrou.

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