Point of view Mon
O bar estava totalmente vazio.
Não haviam mais cadeiras, nem móveis, nem quadros; não tinham mais bebidas, não tinha balcão, nem prateleiras, nem clientes. Eu estava sozinha, sentada em cima da última caixa que ainda não havia sido posta no caminhão e silenciosamente me despedia de tudo que ali deixaria.
Era uma tarde ensolarada, mas fazia frio. O inverno se aproximava vagaroso, mostrando a cada dia novos traços de sua aproximação. Meu coração estava repleto de esperanças e de ansiedade. Um novo mundo estava à minha espera, mas antes de conhecer o futuro, eu tinha que me despedir do presente.
Ali, sentada, sozinha, me permiti contemplar as paredes vazias novamente e relembrar de como era elas cheias de quadros, prateleiras e teias de aranhas. Cada centímetro daquele bar, que agora estava totalmente vago, tinha uma memória diferente a ser relembrada. O bêbado que recebeu uma cadeirada de sua esposa ao flagrá-lo bebendo; os jovens que tomaram suas primeiras doses de tequila; a jovem que bebeu demais e vomitou no chão; uma jovem em especial que me surgiu numa noite aleatória e a findou tomando café comigo.
Os novos dias viriam, mas agora, sem balcão para limpar, sem medidor de doses, sem cheiro de licor nas mãos. Sentiria falta dos bêbados, dos senhores cansados e fadigados que passavam ali todas as noites para afogar suas desventuras, sentiria falta de Samanun, de suas histórias e de tudo aquilo que ela trazia junto com sua presença. Suspirei alto e mentalmente fui dando adeus a tudo aquilo, parede por parede, milímetro por milímetro.
- Dois cafés amargos para dois corações doces! – Anunciou ela, invadindo porta a dentro, tirando-me daquele devaneio de lembranças.
Olhei para o seu rosto iluminado pelo sol, era a primeira vez que via a criatura noturna a luz do dia. Seus cabelos estavam presos em um coque frouxo, seus olhos castanhos me encaravam e havia uma espécie de pequeno sorriso no canto de seus lábios rosados. Sorri com pesar ao vê-la sentar-se cruzando as pernas no chão, de frente para mim e tornar a me fitar com seus olhos luminosos. Fascinante era sentir-me tão bem na presença de alguém que mal conhecia; lancinante era dar adeus à uma alma tão confortável.
Peguei o copo que ela me entregara e o segurei, retirei a tampa e dei um pequeno gole no líquido quente.
Nós conversamos por horas e horas sem que nenhuma palavra fosse dita; o café esfriou em nossas mãos enquanto nós duas nos olhávamos e nossos silêncios se decifravam, e nossas almas se despediam.
O sol já estava se despedindo no poente, seu brilho alaranjado coloria as nuvens; os pássaros voavam de volta aos seus ninhos, tudo era um silêncio confortante, mas a hora da despedida badalava. Então, nós nos colocamos de pé, apertamos nossas mãos de forma cordial ela deu as costas, caminhando rumo a porta.
Adeus, eu pensei. Nesse instante a vi parar de frente a porta, ela soltou a maçaneta e voltou-se lentamente para mim.
- Ainda sobrou café em seu copo? – Perguntou.
De imediato olhei para o copo em minhas mãos, vi que ainda estava pela metade e assenti balançando a cabeça. Ela caminhou até mim e pegou o copo de minhas mãos; seus dedos frios tocaram minha pele causando-me arrepio por todo o corpo.
- Mas está frio! – Adverti com estranheza, ao ver que ela estava a levar o copo para os lábios.
- Engulo meus sentimentos com café frio. – Confessou, e sorriu fraco, antes de arrematar o copo.
E assim, ela sumiu porta à fora, vida à fora. Deixando para mim apenas as lembranças e os fragmentos de seu perfume, que logo se dissipou e transformou-se em passado.
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The Last Coffee (Em revisão)
RomansEla era uma escritora no auge de seu fracasso, não vendia mais livros, nem escrevia mais poemas, ainda não havia aprendido o quão bela era a poesia de um coração em desordem. Enquanto isso, do outro lado de um balcão, esperando-a com mais um café qu...