3%

647 74 44
                                    

A pouca iluminação no quarto lhe era confortável aos olhos que começavam a despertar em um horário que não era comum. As mãos preguiçosas deslizavam por seu corpo, encontrando seu destino em um espreguiçar contido pelo outro corpo que ocupava a cama, logo se virando e tomando para si o celular. Não sabia exatamente o que estava procurando ali ao desbloquear o mesmo, não haveria nenhuma mensagem significativa, mas Verônica esperava que tivesse. Ainda que não quisesse admitir.

O polegar deslizava pela tela com certa calma, vagueando entre uma rede social e outra, apenas matando tempo enquanto fitava o relógio vez por outra. Ao bloquear novamente a tela luminosa, a mente viajava para o momento que presenciara no estacionamento, fechando os olhos enquanto voltava a deitar suas costas no colchão. Cinco da manhã. Ela suspirara, se forçando a levantar rápidamente, não se dando passe para pensar mais naquilo nem mesmo por um segundo.

Após a rotina matinal que demorara um tanto mais que o esperado, a mulher colocara sua habitual roupa de trabalho e por fim descera, encontrando seu marido junto a uma caneca consideravelmente cheia de café. Como era de costume, um olhar cálido se estabelecera a medida que ela se servia e passava a sorver o líquido quente, sentindo sua alma voltar para o corpo aos poucos.

────Não está um pouco cedo demais para você estar pronta? ────Os olhos de Paulo fitavam o relógio de pulso com certa curiosidade, voltando a olha-la em seguida.

────Reunião com a patroa agora cedo... Ela tem horários próprios e eu apenas sigo. ────A escrivã forçara um sorriso, repousando a caneca sobre a mesa. ────Eu já estou indo... Bom dia! ────Seu tronco se curvara minimamente, deixando um beijo tão rápido nos lábios do homem que o mesmo nem tivera tempo para fechar os olhos.

────Tcha... Tchau Verô! ────Seu cenho se franzira consideravelmente, apenas vendo a mulher sair rapidamente.

O caminho até o DHPP era sempre feito da mesma forma, uma rotina que Torres detestava, mas prezava ao mesmo tempo. Ali, sozinha, a mulher aproveitava de seu gosto musical até o último segundo, batucando a ponta dos dedos contra o volante enquanto dirigia. A primeira parte do caminho era sempre a mais conturbada, tomando bastante de sua atenção até chegar próximo ao trabalho, aonde ela relaxava e passava a dirigir com apenas uma mão enquanto cantarolava sua playlist. Ao chegar no estacionamento, a mulher suspirara profundamente, apenas focando em parar o veículo da melhor forma possível em sua vaga.

Saira dali com consideravel pressa, não tinha o menor interesse em diminuir a velocidade de seus passos e abrir brechas para pensamentos, memórias indevidas tão cedo. Tomara o elevador, apenas fechando os olhos enquanto as portas metálicas também se fechavam. Precisava estar calma e profissional, sabia que o evitar do assunto acabaria no momento em que pisasse o pé dentro da sala de sua chefe, e por tal, Verônica desfrutava de uma paz nada estabelecida enquanto podia. Assim que desaguara no andar indicado, a mulher caminhara temerosa, percebendo que o departamento estava assustadoramente vazio.

A bolsa fora deixada de maneira despretensiosa sobre sua mesa de trabalho, ao passo que ela apenas seguira em direção a sala envidraçada. Uma respiração pesada e duas batidas rápidas contra a porta. De dentro, os olhos azuis a encaravam, sua mão subia minimamente, chamando Torres com um dos dedos, a mandando entrar. A porta se abrira, possibilitando sua entrada e assim ela se colocara a disposição para aquela pseudo reunião que se iniciaria. Por dentro a escrivã sorria, reunião para discutir um momento que ela preferia esquecer às sete da manhã.

────Bom dia, Verônica! ────Os lábios costumeiramente pintados com um vermelho aberto sorriam cordialmente.

Anita Berlinger possuía uma postura irritantemente impecável, sentada em sua cadeira como se fosse superior a tudo e todos. Os olhos castanhos a mapeavam com calma, o presente momento se mesclava bem ao passado, os braços firmes que haviam tomado a mulher para si estavam ali dispostos sobre a mesa, algumas poucas veias saltavam, a pele contra o preto da blusa. Verônica Torres arfara por um segundo. As mãos repousavam contra o claro da mesa, brincando com uma caneta. Azuis e castanhos voltavam a estabelecer um olhar.

────O que... O que você disse? ────A sobrancelha de Anita se arqueara, ao que ela esboçara um sorriso cafajeste.

────Bom dia... Foi tudo o que saiu da minha boca, acho que pela sua cara você estava esperando ouvir qualquer outra coisa... Estou errada, escrivã? ────Suas costas repousavam contra a cadeira, cruzando suas pernas no que parecia ser um movimento ridículamente lento.

────Você está... Anita! Só vamos direto ao ponto, eu tenho trabalho para fazer e você também! ────O sorriso antes mínimo agora crescia, fazendo Torres revirar os olhos, tentando em vão conter seu nervosismo extremamente aparente.

────O que você presenciou ontem foi uma falha minha e eu não falho com frequência... Podemos apenas esquecer? ────O tom era ameno, com uma ponta de autoritarismo que lhe era comum.

Verônica deixara escapar uma risada nervosa. Como gostaria de "apenas esquecer". Estava se esforçando mais do que gostaria para apenas esquecer tudo aquilo e voltar para seu mundinho pacato, onde Berlinger era apenas a figura de sua chefe que ela odiava. Seus braços se moviam para trás, cruzando os pulsos rentes a suas costas enquanto fitava a mulher a sua frente. De início, apenas engolira seco, e só assim a fala saira.

────Não faço a menor ideia do que está falando, doutora delegada! Não há nada para esquecer... Porque nada aconteceu! ────A loira mordiscara discretamente seu lábio inferior, assentindo enquanto impulsionava seu corpo para frente, juntando suas mãos sobre sua mesa de trabalho.

────Ótimo, escrivã! Excelente. ────O sorriso não mais largava seu rosto tão perfeito para o horário, fazendo Torres lhe maldizer em pensamento várias vezes. ────Eu deixei um caso novo na sua mesa... Termina para mim até o almoço, pode ser? ────A mulher meneava sua cabeça com os lábios entreabertos, olhando a escrivã de maneira descarada pois percebia o nervosismo.

────Caso... Até o almoço... É... Sim senhora. ────Berlinger balançava a cabeça, apenas concordando enquanto se divertia com tudo que estava causando, vendo Verônica apenas dar passos para trás até quase bater contra a porta. ────Isso é tudo? Posso ir? ────A delegada a fitara de cima a baixo, se demorando enquanto percorria a cintura, as pernas. Seu olhar podia queimar.

────Trás aquele café que eu gosto, Verônica. ────Ela empunhara a mão no ar, a movimentando como quem mandava a escrivã embora, voltando rapidamente sua atenção para o computador.

A porta envidraçada logo fora fechada, ao passo que a mulher de fios castanhos suspirava, caminhando rapidamente até o final do corredor, onde a máquina de café repousava. Seu coração estava a mil, a mente bagunçada rebobinava cada frase dita, como quem analisava um caso várias vezes. Ela sorrira. Nunca analisara nada com aquela atenção e nem mesmo poderia começar a comparar.

Under a secret | veronita fanfic Onde histórias criam vida. Descubra agora