Point of view Samanun
O domingo já havia clareado e com os olhos arregalados eu encarava o teto, enquanto ouvia o som da natureza do lado de fora. A realidade rugia feito um leão feroz e arrepiava todos os cabelos do meu braço. Me rastejei sorrateira pela cama, esquivando-me do braço de Mon, que estava pousado em minha cintura. Ela se mexeu, mudou de posição, mas não acordou, e eu me levantei. Ainda de pé, parada diante a cama, encarei aquela cena como se fosse a última vez que veria. Acostumada com os dias infernais, momentos no céu pareciam ter prazo, e o momento de findar parecia próximo. O final de semana havia sido incrível. Os sentimentos em mim fluíam livres e avassaladores, mas a dura realidade batia a porta e nós voltaríamos para nossas casas, nossas rotinas e nos jogaríamos no mundo voraz novamente. Embora minha preocupação com o amanhã saltasse e arrepiasse minha espinha, na cama, ainda dormindo, Mon parecia despreocupada. Suas feições suaves e o leve sorriso desenhado em seus lábios, davam a impressão de que aquela linda mulher era nada menos que um anjo e que aquela cama era sua nuvem de descanso.
- Você está cada vez mais perdida, Samanun.
Sussurrei para que meu próprio eu ouvisse e suspirei enchendo meus pulmões de coragem para descer e por água para ferver.
Meu estômago rosnava e se contorcia de fome.
A fumaça dançava saindo da xícara e espalhando-se pelo ar, o aroma da cafeína havia se alastrado por toda a cozinha, o relógio fazia seu Tic Tac e meus pensamentos haviam se perdido por algum lugar desconhecido.
- Bom dia, amor...
Ao ouvir sua voz amolecida pelo sono soar em meio à todo aquele silêncio, eu fechei os olhos e suspirei profundamente, até que meus pulmões inflassem feito balões prestes a estourar. Aquela voz, aquela mulher, aqueles efeitos... Céus! A mão delicada dela deslizou de minha nunca até meu ombro em uma leve carícia. Ela contornou meu corpo sentado na cadeira e sentou-se em meu colo, enroscando seu braço em meu pescoço. Aquele laço perfeito que nos unia parecia tão delicado, mas era só nossos olhares entrarem em conexão que era possível ver a força que aquela união tinha. O magnetismo da união de nossos olhos era alarmante. Jamais havia visto encontro de mares tão violento e ao mesmo tempo tão sutil. Com a inocência de uma criança ela sorriu e com a paixão de Romeu por Julieta, meu coração acelerou de forma dolorosa em meu peito. Num ato cauteloso, minha mão foi de encontro ao seu rosto e deslizando a ponta de meus dedos por sua pele quente, eu buscava crer que tudo aquilo havia sido real. Havia um anjo sentado em meu colo, seu sorriso iluminava minhas trevas e tudo parecia ser parte de um sonho.
- Você dormiu bem? - Perguntou ela em voz quase sussurrada, ainda enrouquecida pelo sono. Assenti.
- E você?
- Dormi como um anjo. - Sorriu e eu ouvi os anjos cantarem ao fundo. - Pronta para voltar para a cidade?
Uni as sobrancelhas em uma carranca entristecida e curvei meus lábios fazendo beicinho de choro, quando balancei a cabeça negando, ela riu e eu ri também.
- Não aguento quando faz essa carinha. - Ela apertou minha bochecha e rapidamente selou nossos lábios. Mal tive tempo de reação.
- Por que?
- Porque é adorável e eu não resisto.
- Muito bom saber. - Arqueei uma sobrancelha.
- Só não use isso contra mim, senhorita Anantrakul.
- Vou pensar.
(...)
- Samanun!
Mon esbravejou meu nome com um volume que foi capaz de fazer a estrutura do chalé tremer. Eu que estava sentada na sala, subi as escadas correndo para saber o que estava acontecendo.
- O que houve, Mon? - Perguntei meio esbaforida, parando em frente a porta e apoiando as mãos nos joelhos.
- Não consigo fechar a mala.
Nessa hora eu reparei na mulher sentada em cima da mala que estava estufada e vazava roupas. Eu acabei rindo.
- Saia daí, vou lhe ajudar a arrumar isso.
Ela saiu de cima da mala e sentou sobre suas pernas na cama.
(...)
Das árvores, cercas e montanhas, para carros, prédios e pessoas apressadas. De volta à enorme Nova York, eu já sentia falta da calmaria do chalé. Mon estava fitando o movimento vindo do lado de fora do vidro. Seu olhar vago me angustiava. No rádio estava tocando os chiados de uma estação fora do ar que nem eu, nem ela tínhamos a capacidade de trocar. A bolha havia sido estourada e a realidade grosseira e voraz avançava contra nós.
- Posso dormir na sua casa hoje? - Mon perguntou de forma temerosa. A magia do chalé havia encerrado e eu não sabia como agir. Nem ela. Assenti a sua pergunta e de forma cautelosa ela se aproximou de mim e cogitou beijar meu rosto, não fazendo isso, ela apenas recostou sua cabeça em meu ombro.
Dirigi por longas horas e quando avistei a fachada de meu prédio senti um leve alívio. Estacionei bem em frente e saí do carro. Contornei-o e abri a porta para que Mon saísse. O brilho do sol não era nada aos pés do sorriso que ela abriu com meu ato. Ainda não era noite, mas o sol já estava partindo para seu descanso. Seus últimos raios iluminavam os cabelos castanhos dela e sua íris mel me fitava atenta aos meus movimentos. "Que se dane!", eu pensei e a encostei contra a porta do carro. Unindo nossos corpos, segurei sua cintura com firmeza e juntei seus lábios nos meus em um selinho, que tornou-se beijo quando sua língua pediu passagem e eu cedi. Mon jogou seus braços por cima de meus ombros e segurou minha nuca, mantendo-me presa naquele beijo adocicado. Nossas bocas encaixadas, nossos cheiros combinando, nossas respirações descompassadas, quanto mais o tempo passava, mais aquele beijo tornava-se viciante e impossível de separar. Mon tinha lábios macios, aveludados e hálito doce. Beijavam com a sutileza de uma carícia e com lentidão, como se quisesse transpassar tudo que sentia por aquela união de lábios. E conseguia.
Nos separamos quando o ar tornou-se escasso. Nossos olhares fixaram-se e foi lindo aquele encontro brilhante de olhos. A pupila minúscula em meio aquele mar cor de mel, aquele rosto desenhado por Deus e os cabelos castanhos. Aquela mulher e aquele céu alaranjado de um final de dia. Era domingo e agora, domingo era meu dia favorito na semana.
Point of view Kornkamon
Repentinamente o tempo havia mudado e agora chovia fortemente do lado de fora. Estava frio, mas os braços quentes de Samanun me protegiam da friagem. Estávamos deitadas no sofá, assistindo filme e tomando chocolate quente. Eu beijava Sam como se fosse a última vez, ela me abraçava como se fosse um reencontro de almas que sentiam saudades. Isso tudo era medo do que o mundo poderia fazer conosco. Éramos um casal iniciando o caminho, as pessoas ainda eram cruéis lá fora e o medo do pior nos assombrava, mas, enquanto eu estava em seus braços, enquanto seus lábios estavam nos meus e seus olhos fixos ao meus, tudo permanecia protegido.
Quebrando o nosso silêncio, o toque agudo do celular de Sam ecoou pelo lugar, ela suspirou pesadamente e revirou os olhos.
- Pega pra mim, Mon. - Pediu e eu o fiz. Peguei o aparelho que estava pousado em cima da mesinha de centro e a entreguei. - É Kade... - Ela disse lendo o que refletia na tela. - Já volto. - Levantou-se rapidamente e saiu da sala para atender.
Longos minutos depois Sam apareceu na sala, a tela do aparelho estava trincada, seus ossos do punho avermelhados e lágrimas estavam congeladas em seus olhos enegrecidos. Me assustei com o olhar feroz que ela portava. Jamais havia a visto com aquela ira.
- Amor... O que houve? - Eu perguntei em voz baixíssima, não queria parecer invasiva.
- Aquele maldito... - Seu maxilar trancou e duas lágrimas escorreram dos olhos furiosos e vermelhos.
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The Last Coffee (Em revisão)
Lãng mạnEla era uma escritora no auge de seu fracasso, não vendia mais livros, nem escrevia mais poemas, ainda não havia aprendido o quão bela era a poesia de um coração em desordem. Enquanto isso, do outro lado de um balcão, esperando-a com mais um café qu...