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Point of view Samanun

Lá pelas as sete e tantas da noite, eu estava em meu carro e seguia as ruas que me levariam para o apartamento de Nam. Palavras não ditas rondavam minha cabeça como fantasmas luminosos e esbranquiçados. Atitudes não tomadas me deixavam com as mãos suando. As coisas pareciam estar em seus lugares na estética, mas bastava parar para examinar que a bagunça interna seria descoberta. Nada oficializado, nada concreto, paredes de papel sendo construídas para amparar uma criança inocente das barbaridades mundanas. Àquela altura, entre um quebra molas e um sinal de trânsito, as coisas implícitas na minha conversa com Nam começaram a se encaixar.

Meu celular vibrou no bolso de trás da calça que eu vestia. Aproveitando que o sinal estava fechado, o puxei e vi que era uma mensagem de Nam perguntando se eu estava a caminho. Respondi que sim. Avançando mais um quarteirão, estacionei de frente ao prédio de minha amiga. Desci do carro, ativei o alarme e entrei. O porteiro já me conhecia. Ele sorriu e liberou o elevador.

- Pensei que nunca chegaria aqui.

Song disse sorridente quando abriu a porta. Ela estava usando uma blusa que deixava a enorme barriga a mostra, e aquele volume parecia maior quando descoberto.

- Não entendo o porquê da pressa. - Retruquei. Nos abraçamos com certa dificuldade e após isso, entrei nos aposentos Poolsak. - Onde está Nam? - Perguntei ao notar a casa extremamente silenciosa.

- Eu estou aqui! - Ela surgiu falando do corredor. - Bom, amor, estamos saindo. - Ela beijou os lábios de Song que concordou com suas palavras.

- Saindo? Mas eu acabei de chegar.

- Sim, saindo. Ah, coloque isso. – Nam disse e me estendeu o braço direito, na mão, ela segurava uma faixa de tecido escuro.

- Quer que eu vende meus olhos? – Perguntei estranhando, ela assentiu. Eu o fiz.

Tampei minha visão com aquela faixa negra de cetim e dei um nó atrás de minha cabeça, para deixa-la firme.

- Venha... – Ela disse. Sua mão tocou a minha e segurando firme, ela me guiou para fora do apartamento, pela escadaria, e por fim, me colocou sentada no carro. – Coloque o cinto. – Pediu e eu obedeci.

- Para aonde vamos?

A porta do meu lado foi fechada, seus passos contornaram o veículo e logo, sua porta emitiu o som choco, indicando que havia sido fechada.

- Nam, para onde vamos? – Insisti naquela questão. Ouvi ela colocar a chave na ignição, o carro ligou e o motor roncou.

- Vamos dar uma voltinha... No passado. – Sua voz saiu mansa, tamanha mansidão que me assustou.

Ela deu a partida, ligou o rádio e a música que tocou era a mesma que ouvimos juntas quando ela chegou em minha casa, chorando, dizendo ter sido traída pelo ex marido. Eu sentia as curvas, os quebra-molas e imaginava as ruas, as pessoas, os semáforos. Minha imaginação era o que me salvava do desespero da cegueira proporcionada pela venda. A voz de Nam cantarolava aquela melodia serena, e por dentre aqueles acordes, eu sentia vibrar aquelas vozes dentro de mim.

- Olhos meus fujam do escuro, se acendam, se façam brilhar... – Nam cantou baixo, junto a mim. Aquela música, cantada por minha amiga, tocando repetidamente no rádio, naquele instante, parecia uma oração. Ela fungou e apertou minha mão.

- Cessem as dores e feridas de amores. Minha alma agora quer sorrir... – Eu cantei. Senti abrir algo dentro de mim. Fez um "click" em meu coração. Algo saiu pelos meus lábios junto com aquela melodia e as lágrimas. Eu estava chorando, mas não sabia o motivo exato. Era a música, aquela venda, era Mon, era nosso amor e aquele filho. Milhões de motivos, de medos. Coisas que nem sem a venda eu conseguia enxergar a solução. Não só de olhos vendados, mas também de mãos atadas.

The Last Coffee (Em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora