Eu estava falando comigo mesma, eu estava no saco. Os olhos roxos e inchados, a pele muito pálida o rosto murcho com os ossos aparentes. Meu olhar medroso e nada esperançoso, totalmente desesperada e jogada no mundo. Julia fez isso comigo, ou vai fazer. O que esperar dela? Mesmo sem "eu" ter aparecido pra mim, saberia que um dia iria acontecer, entretanto não de tal maneira.
Paralisada e sem expressão fico ao me ver naquela situação degradante. Nada sinto, mal sei o que sentir e o que pensar. Nem consigo acreditar o que esta diante dos meus olhos. Até que então tudo se ofusca, nada mais está em seu devido lugar, nem mesmo eu. Continuo no velório de Billy, isso posso afirmar, no entanto não no mesmo lugar. Enquanto as pessoas prestam luto pelo meu irmão, vejo meu pai e Julia conversando atrás de uma grande árvore com folhas alaranjadas.
Quero munto ouvir o que eles conversam, não fazia ideia que se conheciam. Isso não faz sentido algum, ou até talvez faça. Como ela soube onde eu morava? Até hoje não entendo o porque ela veio morar comigo e também não entendo como eu deixei. Sem mais conversa, seus lábios já não se movimentam, até que se beijam, eles estão se beijando no velório de seu filho. Ele traia minha mãe com ela? Justamente com ela? Vivencio um enojo que sinto meu almoço hospitalar voltar pra minha garganta.
Desperta choro em meus olhos, não de tristeza, mas de ódio acumulado. Muita informação pra apenas um dia. Me sento em um lugar isolado de tudo, coloco as mãos no bolso e sinto o papel de Blunk que tinha esquecido que roubei. Eu o abro e fico muito curiosa, tem links e códigos dele, não entendo nada ali. Copio em meu braço tudo com a caneta que peguei emprestada de alguma das minhas tias que lembro o nome.
Continuo ali, por muito tempo. Nunca fiquei presa em um pesadelo tão real por muito tempo quanto esse. Não fico com medo e nem preocupada, se ainda estou aqui, é porque não tenho tudo do que preciso pra sair desse mundo paralelo.
As vozes e lágrimas somem das pessoas e todos vão as suas casas. Eu e meus pais são os últimos a sair, vejo minha mãe, tinha esquecido de procura-la. A presença dela faz um buraco em meu coração tão fundo que dói. Eu corro e me afundo em seus braços com um profundo abraço, ela não rejeita e me aperta com força beijando minha cabeça.
Entro no carro dos meus pais, e enfim em casa, a antiga casa. Subo pro meu quarto sem mesmo olhar pros lados, na suite me vejo no espelho e me espanto. Tão nova com espinhas por toda minha testa, o cabelo loiro e liso, bem sem graça. Lembro que naquela época eu não tinha BaByliss e queria cachos nos longos cabelos lisos. Meu rosto tão jovem e seios pequenos e perfeitos, mais do que já são. O corpo fino e as roupas desleixadas que amava usar, eu não era vaidosa, nem mesmo um pouco. Meus pais se preocupavam com isso, achavam que eu era lésbica, por isso paparicava tanto Danny. Minha mãe e pai tem a mente muito fechada e um pensamento muito machista, isso me incomodava mesmo assim os amava.
O cansaço toma conta de mim assim como o sono, não posso dormir, não agora. O computador estava ali, boa chance de ver os links que copiei. Aquele PC é tão antigo e grande, as teclas duras e o monitor curvado, internet discada, bons tempos.
Procuro pelo que eu queria, um dos links eram um site que pedia um código, bem que eu havia copiado, muitas fotos minhas, desde meus 5 anos de idade aparentemente, nunca vi aquelas fotos, pareciam que alguém me seguia, pois em nenhuma das fotografias eu estava olhando pra câmera ou em alguma pose. A última é quando eu trabalhava no estúdio de fotografia, saudades daquela época. Minha aparência parecia péssima, mas com certeza agora deve estar pior.
No segundo link é um e-mail:
"Precisamos falar com você, se puder ligar para esse número 'xxxx-xxxx' vamos te explicar os resultados de alguns exames"
Não aguento de curiosidade e ligo. Uma secretária atende com uma voz doce.
- Boa noite, aqui é do Sanatório Burntown.
- Boa noite, sou Julia Blunk e recebi um e-mail sobre os resultados de alguns exames. - digo com uma voz mais rouca.
- Julia Blunk? Não tem nenhuma... - uma breve pausa e volta a falar - Desculpe, você é a responsável pela Anna Fouler, correto?
Julia responsável por mim? Esses exames são meus? Como assim? Não entendo nada, porém não fujo do personagem.
- Correto, gostaria de saber sobre o exame.
- Vou passar a ligação para o Doutor Burton, um minuto.
Espero passar a ligação e a minha mão tremula. O telefone quase cai de tanta ansiedade e preocupação.
- Olá, aqui é o Doutor Burton. Você esta interessada nos exames de sua parceira?
Parceira? Ele acha que nós... isso não vai ao caso.
- Sim, por isso liguei, estou inquieta, é algo grave?
- Na verdade podemos dizer que sim. - meu sangue subiu a cabeça. - Depois das fotos que você mandou de Anna quando era criança podemos ver que quando ela está sozinha parece que tem alguém ali conversando com ela, por conta das feições dela. Seu olhar perdido e as vezes concentração em algo inexistente. Depois disso fiquei muito ligado nisso. Fizemos os exames semana passada e ela tem... - a demora de segundos parece a eternidade. - bipolaridade, esquizofrenia paranoica. Anna vive em um mundo apenas dela, inventa coisas em sua mente quando está sozinha e as vezes acompanhada. Sua imaginação é muito fértil e isso pode atingir a sua personalidade. Quando estávamos na sala, Anna começou a falar sobre a morte de sua mãe e de Danny, e sei que a mãe dela está viva e não sei se o ex marido dela morreu. E achamos melhor ela ser internada o mais rápido possível.
- Ex marido?
- Danny, o ex dela, não é?
- Obrigada pelas respostas, ajudou bastante.
Sou doente, tudo isso é pura fantasia. Eu preciso de respostas. As lagrimas queimam meu rosto ao escorrer. Meu pés doem e não me vejo na casa dos meus pais. Minha vida foi tudo uma mentira, não posso continuar assim, não deste jeito. Pego um papel o coloco tudo que descobri em uma ligação. Meus pais estão vivos assim como Danny que é meu ex marido, Julia me namora e ela cuida de mim e da minha doença, não é ela uma louca, psicopata e manipuladora, ela me ama e quer meu bem.
- Anna, querida? - Estava ela ali, roupas sociais. - O que está acontecendo?
- Eu liguei pra clínica, sou esquizofrênica. - eu a abraço e me aconchego chorando. - Me desculpa por tudo que te fiz. Eles querem me internar, e concordo com eles.
- Como assim, me conta tudo.
Contei tudo sobre a ligação e o mundo paralelo que vivia, ou achava viver. Blunk liga pra clínica e conversa com o doutor.
- Eu preciso saber de algumas coisas... na verdade tudo sobre mim e meu passado, desde o velório de Billy. - pergunto.
- Bom, no velório dele eu estava e foi quando me conheceu, eu era a amante de seu pai, você odiava isso, até que nós nos apaixonamos. Naquela época você era casada com Danny, mas desistiu de tudo por telefone. Você era bem nova assim como eu, seu pai ficou bem irritado com a história, mas dissemos se ele continuasse assim, iriamos contar sobre a traição pra sua mãe. Fomos morar juntar aqui, você as vezes fazia muito barulho a noite então eu dormia na sala. Houve um dia que sua mãe veio lhe visitar, mas você ficou muito nervosa com ela e a pôs pra fora de casa. Até que você começou a sair com um cara, Marco, e eu disse a ele pra ficar longe de você, tivemos uma briga horrível por conta dos ciúmes, eu fui trabalhar e quando chego em casa, você não está mais lá. Soube que foi estuprada pelo cara que te levou até o hospital, ridículo não é? Bom, depois você teve alta e sumiu, agora está aqui.
Aquelas informações faziam sentido, e começo a lembrar de coisas que eu achava não ser real. Tudo que ela disse tem coerência e consigo me lembrar disso. De Danny, Marco, meu pai, minha mãe etc. Então tive medo de Julia sem motivo algum, ela me ama e eu a amo.
Nos beijamos, e eu amei aquele beijo, não era mais frio, não era nojento, e sim amoroso e quente. Nossos corpos se juntaram e uma noite tivemos cheia de amor e carinho.
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Julia Blunk
Mystery / Thriller"- Quem é você? - Julia Blunk, estarei sempre ao seu lado." História narrada por Anna, uma garota depressiva que conhece Julia Blunk, uma linda e sensual mulher que faz a vida de Anna terrível inferno.