Extra V

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Kurokawa Kaori

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"Foi você o sonho bonito que eu sonhei

Foi você eu lembro tão bem você na minha linda visão"

Meus pés se movimentavam em ritmos coordenados, enquanto os meus braços curtos se moviam de um lado para o outro, valsando com a minha própria companhia. Toda a fantasia terminava com a aparição abrupta da minha irmã gêmea, desligando a TV.

- Keiko!! Eu estava assistindo!

Estalando os lábios, Keiko me contornava, empurrando o meu corpo para o lado. Saindo da frente da TV, minha versão pequena cruzava os braços, aborrecida.

- Você já viu esse filme várias vezes. E eu não quero assistir filme de princesa.

- Mas eu sim!! Eu estava assistindo, me dá!

Choraminguei, ameaçando chamar a mamãe, mas nem isso a fez me devolver o controle. Quando éramos crianças, passamos a maior parte do tempo brigando. E cabia a nossa mãe a tarefa de nos separar.

- Mas foi ela que começou! Ela tirou o filme que eu estava assistindo!

- Ela já assistiu várias vezes, mamãe!

- Eu sei, meninas. Olha, por quê não escolhem juntas o que irão assistir?

- Por quê eu quero ver A Bela Adormecida!

- E eu quero ver Super Cães!

Sem chegar a um consenso, Keiko e eu voltávamos a brigar, puxando o cabelo da outra. Nessa época, mamãe tinha muita paciência com a gente.

- Já sei... Que tal, se nós três fomos ao shopping, e você compra uma boneca da Aurora, Kaori? E você, Keiko, compra algo do Super Cães, certo? Ainda compro sorvete pra vocês na saída.

- Não quero. - Irritada, Keiko batia os pés. - Você sempre faz isso, mamãe. Por isso a Kaori é desse jeito!

Eu pensava que a Keiko me odiava naquela época. Mas com o passar do tempo, viramos melhores amigas uma da outra. Era difícil conviver com alguém tão parecido, mas ao mesmo tempo tão diferente. Quando lembramos desse momento, caímos na risada com o quão briguentas éramos.

- Ah, você sabe que era bem mimada naquela época. - Confessava Keiko, passando as fotos. Em uma delas, eu estava chorando porque a minha irmã gêmea havia tomado o meu lugar no escorregador.

Não podia negar. Nossa mãe sempre buscou fazer tudo o que podia por nós, para que a gente nunca se sentisse triste. Tendo engravidado aos 17 anos, mamãe se viu sozinha, com duas garotas idênticas. Enquanto todos os seus colegas faziam planos para um futuro próspero, mamãe nos incluía nos próprios planos.

Se eu chorava, ela estava pronta para secar minhas lágrimas. Se eu queria algo, ela estava pronta para me dar. E se eu sonhava, ela me dava forças para prosseguir com o meu sonho.

Hoje, nossa mãe lidera uma das maiores redes de estética do país. É dela que vem as minhas maiores inspirações para seguir a carreira que eu almejo. A outra parte vem da minha amiga, Sophie.

A Sophie é uma ótima amiga, eu a amo. Fiquei louca quando soube do acidente, e não tinha um dia que eu não a visitasse, mesmo que eu não pudesse fazer nada mais que ficar sentada, esperando notícias. Quando pude visitá-la, senti que ela estava diferente. Algo nela me distanciava da Sophie que eu conhecia. Talvez o seu olhar, demorando para me reconhecer, ou o seu gaguejar diante das minhas perguntas. Mas eu entendo que passar pela experiência de perder alguém + passar tanto tempo em coma faria qualquer um perder a noção de identidade. E com o tempo, apesar das diferenças, pude reconhecer a minha amiga em alguns aspectos, e a aceitar a mudança em outros.

Quando a Sophie voltou ao colégio, algo ainda me fazia sentir que ela estava diferente. Mas não um diferente ruim. Aos poucos, ela estava mudando a realidade dela e todos a sua volta, até mesmo a minha. Nossas atitudes não eram legais antigamente, e por causa disso, perdemos tantos momentos legais ao lado dos nossos colegas de turma. Agora, aos poucos, estamos fazendo as coisas do jeito certo.

No entanto, nessa mudança, tem algo que me preocupa. Ultimamente, sinto que a Sophie se esquiva do namorado dela, o Kentin. Eu amo o relacionamento dos dois, e posso até me gabar um pouquinho por ter sido uma cupido. Passamos dois anos juntos, Keiko e eu de vela, e os dois namorados. Acho que é natural a relação ter esfriado depois de uma troca de turma, mas ainda fico receosa por eles.

Acho que eu sempre quis um amor como o deles. E eu, uma fanática por contos de fadas, aprendi a triste realidade: nem todos os garotos vão te tratar como princesa. Já tive alguns relacionamentos, que terminaram de maneiras catastróficas. Segundo eles, eu era "intensa" demais. Esperava muito. Diferente de Keiko, que não liga para essas coisas, a ideia de ficar sem alguém do meu lado me assusta. Sou incapaz de ficar sozinha.

Mas... Quando alguém aparece e eu volto a ter esperanças, sou lançada novamente ao pensamento de que contos de fadas não existem na vida real. Não vai ter um garoto que goste de mim como os filmes, nem declarações fofas, nem atos de amor. Kentin é uma exceção. E a Sophie, uma baita sortuda.

Minha Nova Vida Sendo a EstrangeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora