XIX - O despertar

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Quando a claridade começou a surgir de maneira impetuosa, fui obrigado a abrir os olhos. Acordar é sempre bastante confuso, principalmente depois de um sono tão profundo. Levou tempo até que meu corpo preguiçoso pudesse se mover. Um dos meus braços estava dormente sob o corpo dele. Então as memórias vieram. Lembranças um pouco constrangedoras, mas também reconfortantes.

A cama estava quente, enquanto os desenhos dourados que os raios de sol formavam se espalhavam pelas superfícies. De uma forma quase inconsciente me movi, apenas para nos encaixar de maneira mais harmoniosa, o apertar entre meus braços, como se precisasse me certificar de que era realidade. O cheiro de Frank sempre me acalma, como uma declaração muda de que tudo está bem.

Nós nos abraçamos e nos beijamos na noite anterior, depois nos deitamos e dormimos juntos, nus, como se nós fôssemos um casal de verdade, como se nunca tivéssemos nos separado.

Passei um bom tempo apenas observando, prestando atenção nas novas tatuagens dele, que formavam quase uma segunda pele por sua enorme quantidade, além de admirar o jeito que seus cabelos, agora mais compridos, se espalhavam pelo travesseiro e por seu rosto; a sua respiração era tão calma e eu senti a urgência de tocar seu rosto, mas não o fiz.

— Por que você decidiu velar meu sono? – a voz dele surgiu, de repente, rouca e sonolenta, me pegando de surpresa. Não havia indício de arrependimento em sua postura.

— Você ainda tem aquela aura inocente quando tá apagado. É incrível que aquela sensação que eu tinha há dez anos continua a mesma. — sorri levemente, pensativo sobre tudo.

— Quem bateu na sua cabeça? Voltou a gostar de mim do nada? — ele perguntou em sua acidez bem-humorada usual e eu dei de ombros, recordando a razão, mas ainda confuso. Ele se espreguiçou um pouco e se virou para mim, nossos corpos ainda próximos. — Não pense que eu esqueci que você estava com aquele cara. Nós nos desentendemos e em uma semana você segue o barco, é isso mesmo?

— Eu achei que você nunca mais ia falar comigo, precisava tentar esquecer de algum jeito — arrisquei uma justificativa, mas no fundo sei que só estava sendo estúpido e destrutivo mesmo.

O rosto de Frank mudou de imediato. Acho que toquei em um ponto sensível, mas dessa vez eu não queria que ele sentisse ciúmes ou ficasse inseguro, só queria que ele percebesse que é insubstituível na minha vida.

— Você pode me perdoar por isso? — pedi tentando imprimir toda a veracidade em minha entonação.

— Quantas vezes você saiu com ele? — do nada, o jeito sonolento dele se transformou em inquisidor e eu rolei os olhos.

— Isso importa?

— É claro que importa!

— Ontem foi a primeira e última — respondi para não causar mais conflitos.

— O que vocês fizeram? — então, num passe de mágicas, eu estava em um interrogatório.

— Eu precisei ficar bêbado pra deixar aquele cara me beijar, ok? Mas eu não consegui parar de pensar em você e precisei ir ao banheiro vomitar.

— Eu te causo enjoo? — não pude deixar de rir um pouco com a ironia na voz dele, me perguntando por que nós sempre entrávamos em tópicos desnecessários, como se procurássemos motivos para inflamar outro desentendimento.

— Não foi isso que eu quis dizer. É só que a bebida, misturada ao fato de ser tocado por alguém com quem eu não queria estar, deixou meu estômago embrulhado. — expliquei com toda a honestidade, tentando não deixar a conversa trilhar caminhos hostis.

— Você se sente no direito de me cobrar sempre que possível, mas na primeira oportunidade decide cair de boca em qualquer cara aleatório, isso me deixa irritado — ele disse com indignação, mas concluí que, ao menos, ele estava se comunicando sobre os próprios sentimentos, o que já é um bom começo.

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