Capítulo 1

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Samanun

O céu nublado é uma vista espetacular, Samanun não entendia muito bem o motivo das pessoas não apreciarem a beleza de um belo céu acinzentado. O azul era superestimado, mas o cinza? O cinza. Ah! O cinza. Ele não machuca a vista, proporciona bons momentos reflexivos e é o prelúdio, a promessa de momentos refrescantes ou até turbulentos, mas ele pelo menos avisa ao que veio. Ela deixou o ar sair de seus pulmões de forma lenta, externalizando sua conhecida e familiar melancolia antes de iniciar o seu dia. Não gostava de ser tão melancólica, verdade seja dita. Mas a vida a fez assim. Sua criação não ajudava muito. Sempre sozinha e de uma família tradicional, ela não teve permissões na vida ou liberdades. Aprendeu a ser superior e se sentir superior. A solidão não a incomodava mais, pelo menos não como antes, aprendeu a sentir certo prazer em estar sozinha, apesar de apreciar certas companhias em alguns momentos. Mas nem isso era o suficiente para permitir alguém entrar em sua vida de forma profunda e permanente.

Sabia que seus fãs não entenderiam e nem queria que entendessem, vendia uma fantasia, um refúgio, um lugar que nunca lhe pertenceria. Ela gostava de observar as suas leitoras nos eventos enlouquecidas e animadas com a possibilidade de viverem as histórias que escrevia. Normalmente vestia uma máscara nesses eventos e compartilhava da alegria delas, ou melhor, se alimentava. Sabia que era uma fórmula. É isso, escrever é uma fórmula básica: personagens carismáticos, uma problemática fácil de resolver e um amor avassalador que resolve tudo. A fórmula perfeita para um Romance romântico best-seller. Samanun não podia ser modesta, nem hipócrita ao dizer que não esperava e que ficava surpresa. Não, ela na verdade esperava, sempre esperava, desejava, se vangloriava e se aproveitava da glória. Ela descobriu a fórmula perfeita quando ainda escrevia fanfics na Internet e aos poucos construiu seu futuro no mundo literário.

A questão é: ela era feliz escrevendo o que escrevia? E a resposta era simples e precisa, não! Mas Samanun sabia o que vendia, o que não saía nunca de moda. Não importa a época em que acontecesse, nunca sairia de moda. Tal qual as referências clássicas que sempre retornam, uma boa história de amor nunca sairia de moda, não importa o quão clichê seja.

Sam saiu da janela e caminhou descalça pela casa, ela gosta de sentir. O tato era o seu sentido favorito, a sensação do chão em seus pés a ajudavam a se manter firme, a não flutuar e sair da racionalidade e não se perder na própria soberba. Precisava vestir alguma roupa, apesar de gostar de andar apenas de calcinha em sua casa, não poderia seguir dessa forma em seu compromisso. Em poucas horas iria conhecer a nova pessoa responsável pelo seu trabalho editorial e por acompanhá-la em eventos. Esperava que essa pelo menos fosse carismática na mesma proporção que não gostasse de conversar em demasia. Ainda sentia falta de Jim, ela era uma ótima funcionária editorial, comunicativa, respeitava seu espaço e se tornou uma amiga estimada. Não à toa foi promovida à editora de todo um setor editorial. As outras duas pessoas que entraram em seu lugar foram um completo desastre. A primeira queria de qualquer jeito levá-la pra cama - algo que não recusou, só não teve um final agradável - e a segunda era tão tímida que não conseguia desenvolver bem em eventos. Mas era ótima no trabalho interno, então foi remanejada. Dizem que a terceira vez da sorte, esperava que sim.

Samanun vestiu uma calça jeans preta e uma camiseta cinza. Pegou sua bolsa e caminhou até a porta da frente para calçar seus tênis e seguir o seu caminho. Seria um dia cheio. O vento bateu em seu rosto assim que abriu a porta, sentiu o movimento do ar acariciar levemente seu rosto levando consigo a sensação de nervosismos que a acometeu durante toda a manhã.

Não podia se atrasar, então rapidamente se encaminhou para o seu carro e seguiu o caminho para a editora em movimentos mecânicos, sem se atentar muito ao que acontecia. Não gostava muito de conhecer pessoas, nem de falar. Por algum motivo as pessoas sempre queriam que ela falasse. Então aproveitou o caminho para uma pequena preparação mental, um evento estava se aproximando, era necessário alinhar algumas situações. Kornkamon, ficou sabendo, já era um pouco conhecida em eventos, o que facilitava o processo de identificação com as leitoras e conversas trocadas até que ela pudesse entrar e responder suas leitoras. A química entre as duas também deveria ser boa para evitar problemas e constrangimentos. Pesquisou um pouco sobre ela e observou que a mulher era sempre muito carismática nos eventos e entrava nas brincadeiras dos fãs, também parecia estar sempre atualizada nos livros e ser bastante profissional. Dificilmente algo daria errado.

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