Eu passava algumas noites olhando para o teto do quarto, me virava de um lado para o outro e as vezes quando eu finalmente dormia, eu despertava de madrugada e não conseguia mais dormir. As vezes eu ia até a garagem e a minha ansiedade implorava para que eu fumasse algum cigarro ou fizesse qualquer outra coisa além de ficar parado num canto.
Quando eu voltava para a cama, poucas horas tinham se passado, apesar de ter parecido uma eternidade.
- Já que passa a madrugada acordado, deveria arrumar um emprego nesse horário. - meu tio falou quando me viu acordado uma vez. Então eu parei de sair do quarto e o máximo que fazia era ir até a janela. As vezes o meu irmão me estranhava, mas eu não o culpava, eu não poderia exigir que ele me recebesse de braços abertos depois de eu ter passado dois anos longe, quase não nos falávamos e muitas vezes eu não conseguia puxar assunto.
Roberto aparecia para jantar com a gente, eu não sabia o que ele ganhava vindo me ver. Ele estava do mesmo jeito, acho que eu nunca conheci alguém igual a ele e queria saber o por quê se passou tanto tempo e ele ainda estava aqui.
- Até que você não está nada mal, ficou mais bonito, o que as mulheres estão achando de você ?
Eu o olhei por um momento, eu não poderia dizer que a minha vida sexual virou uma merda. Era ridículo contar isso.
- Eu não sei, não tô indo atrás delas . . . Por enquanto.
Ele sempre tentava se aproximar e percebi que algo sempre me fazia recuar, por mais que ele soubesse do Edson e tentasse me ajudar de todos os jeito, eu sentia que seria traído de novo.
Ele entendia que eu não queria passar de novo em um tribunal, ou ficar cara a cara com alguém como Edson, e por outro lado, eu sentia que era muito pior ter que ficar cara a cara com Ariel.
Eu esperei a minha folga para falar ao meu tio que iria para até a igreja de Isis e eu fui no ferro-velho de um amigo, ele abriu o portão e me deixou entrar.
- Caramba . . . Faz muito tempo que não te vejo - ele sorriu e apertou a minha mão. - E aí ? Soube que saiu há um tempinho, o que andou fazendo ?
- Cadê a moto que eu escondi aqui ? - eu perguntei logo de cara, ele arregalou os olhos, surpreso.
- Pensei que você nunca mais ia buscar, você me deu um ano, e se não aparecesse, disse que eu poderia vender, eu a vendi.
- Então cadê o dinheiro ?
- Só posso te pagar mil reais agora, olha só, eu não te cobrei e nem abri a boca, isso já é o suficiente, a polícia poderia vir aqui a qualquer momento e eu iria me ferrar . . .
- Vendeu por quanto ?
Ele ficou calado por um tempo, procurando uma resposta.
- Acho que . . . Por dez mil.
- Pra quem vendeu ?
- Eu não lembro . . . - ele coçou a nuca, eu sabia que era mentira.
- Pra quem você vendeu ? - eu perguntei, ele sabia, mas não queria falar.
- Ah, eu . . . Não sei, foi um cara aí da favela.
- Me fale a verdade, quanto ele pagou ?
- Uns doze mil.
- E você só me deu mil ? Seu filho de uma puta . . . - eu estava quase gritando, e no fundo eu queria esganar ele.
Ele não sabia me responder, estava assutado.
- O moleque que comprou tinha dezesseis anos naquela época, nem saia da favela direito, tava louco pra ter uma moto.
- Então você sabe quem foi, né ?
- Foi o Alex . . . com essa cara até parece que você está arrependido, nunca ligou pra moto, só fez por diversão e já cumpriu sua pena, né ? Não tem como voltar atrás - e ele esperava uma resposta, eu dei de ombros.
Tinha outra coisa que me incomodava, ele estava mentindo e eu precisava saber. Eu peguei o dinheiro da mão dele e fui embora de lá. Semanas depois quando fui ver o Marcelo, ele me chamou para ir até Alex, e quando eu falei sobre o cara do ferro-velho, ele disse:
- Eu sei quem é, aquele imbecil uma vez me deu uma moto, acho que queria andar por aí comigo, ou sei lá . . . Ele me ofereceu assim que o cara que roubou foi preso.
Eu o odiava e me odiava ainda mais, eu não conseguia fazer mais nada sem pensar nisso. Marcelo estava quase pálido, me encarando como se implorasse para que eu não falasse nada, ele me conhecia e sabia que eu falaria.
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Lados Opostos - Parte 2
Roman d'amourDurante sua jornada de arrependimento, Matheus cruza com Alex, um jovem que iniciou sua vida cedo no crime, e por outro caminho, se vê diante de Ariel, um rapaz que foi marcado por um roubo violento. A segunda parte conta uma pequena história da vid...