Mesmo com esses anos todos e apesar da Rê não ser muito mais velha que a gente e até mais nova que muitos dos meus amigos, eu nunca consegui deixar de vê-la como "a tia da Malu". Ela é maneira, gosto dela, a gente bate um papo superficial quando tá todo mundo junto, mas nunca virou amizade, saca? Pra vocês terem uma ideia, só fui ao seu apartamento uma vez depois que a Malu saiu de lá, na festa que foi interrompida no meio porque a Malu ficou doente em Paris e a Rê saiu correndo. Ela também não convida muito, talvez porque seja conhecida como a dona das piores festas da história. Provavelmente ela não sabe nem tem consciência do título, mas ela é. A comida é ruim, a bebida é doce, a música é de dar um tiro na cabeça, gente estranha... Resumindo, são uma merda. E a única vez que conversei com ela diretamente me deixou meio chateado. Nem sei se com ela, mas com a situação toda. Íamos tocar em Paris, e eu e Eddie achamos que era uma ótima oportunidade pra pedir a ela o endereço da Malu. Tentamos de tudo e ela não deu, e olha que o Eddie tem uma lábia filha da puta, ele consegue até convencer o papa que Deus não existe. Mas não conseguimos nada. Aliás, essa história me deixa puto até hoje. A gente não queria nada demais, só lhe mandar convites pro show, depois chama-la pra tomar uma Coca-Cola, se é que ela ainda é fã dessas coisas, botar o papo em dia, matar as saudades. Nunca fizemos mal pra menina, pelo contrário, só quisemos o bem dela. Podíamos ter percebido que a combinação personalidade da Malu e drogas daria defeito? Sim. Podíamos, ao invés de dar conselho e tentar bater papo, termos a colocado em cima do ombro e carregado à força pra uma clínica? Olhando em retrospectiva, com certeza. Mas éramos garotos. O que a gente fez, na época, parecia ser o melhor que podíamos fazer. E, quando a Malu voltou de York e demos aquela festa, a única decente que já aconteceu no apê da Rê, ela não parecia estar ressentida. Ela parecia era estar feliz em nos ver. Então o que aconteceu?
Já a Kay e a Rê viraram melhores amigas. Acho que a Kay se aproximou até mais dela que da Singe, o que faz sentido por uma questão de temperamento. Hoje ela chamou a Rê aqui pra ver o apartamento, que acabamos de reformar, e está todo preto, com móveis escuros, um detalhe colorido aqui e ali... Não entendo muito dessas coisas, mas ficou do caralho. Nisso eu saí pra ver o que a maluca da Lana fez com o apartamento do Tom, dizia ele que a louca não largou coisa nenhuma pra trás, e pior que, se desse pra carregar as portas e as janelas, ela teria levado também. Passamos a tarde bebendo e pensando em transformar a sala em uma quadra de futebol de salão, usar um dos quartos só pra videogame, como a gente planeja fazer desde moleque, comprar uma mesa de sinuca, todas essas coisas maneiras que mulher censura, sabe?
Quando cheguei em casa, Kay tinha saído. Imaginei que ela tivesse ido beber alguma coisa com a Rê e me enfiei na biblioteca, o único lugar que é meu e o zoológico não entra. Essas porras desses bichos saíram de controle. Toda vez a Kay jura que é o último, e dali a pouco surge com um gato/cachorro detonado que ninguém queria, que estava triste, que estava depressivo, que estava carente. Já tentei fazê-la entender que não dá pra trazer todos os bichos detonados e carentes do mundo pra cá, e estava tudo bem quando eram quatro, até uns cinco, mas de repente perdi as contas e, toda vez que dou um passo, tem um gato no meio do caminho.
Estava ouvindo música e lendo no escritório quando a Kay chegou, super agitada, com aquele brilho nos olhos que, depois de dez anos, eu já sei que não é boa coisa.
-Eu preciso te contar! Não devia, mas preciso te contar e você tem que me ajudar!
-O quê? Com o quê? – Perguntei. Tudo com a Kay é urgente, e pode não ser nada ou pode ser tudo.
-A gente vai resolver tudo, Vince! Eu tirei uma coisa da casa da Rê, mas é segredo.
-Você roubou a Rê?!
-Não, só tirei, olha o drama! Depois eu vou lá e boto no lugar. Ela tem mil porta-retratos e nem vai notar a diferença.
-Hã?
-Olhe isso! – Kay pescou um porta-retratos dentro da bolsa e me entregou.
A foto era da Rê com um menino no colo, não era um garoto pequeno, tipo, não era um bebê, mas também não era grande... devia ter, sei lá, uns cinco anos. Tô chutando, não entendo de idade de criança. Ela dava um beijo na bochecha dele, e ele estava sorrindo, olhando pra câmera.
-Quem é esse garoto? – Perguntei, sem saber o que estava fazendo com aquele porta-retratos roubado na mão.
-Presta atenção, Vince! Olha pra cara dele! Não te lembra ninguém?
Pior que lembrava. Era bem familiar, eu só não estava localizando. Será que era alguém da família da Rê que eu tinha encontrado alguma vez e não me lembrava?
-E se eu disser que esse é o filho da Malu? – Kay falou.
PUTA QUE PARIU.
-Eu diria que é do Tom.
-Isso!
Claro que era do Tom! Caralho, claro que era! Não era uma semelhança óbvia, era alguma coisa nos olhos, e acho que eu nem teria me tocado se não tivesse crescido com o Tom. Aquele sorriso, não. Aquele sorriso aberto, doce, era todo da Malu. Mas o moleque gritava "Tom", não tinha jeito.
-Mas como isso é possível?
-Ela já foi grávida pra Paris, Vince!
-E desde quando você sabe?
-Desde que ele nasceu.
-Porra, Kay, não acredito que você não me disse nada! Não acredito que você não falou nada pro Tom!
-Eu sei, eu sei, desculpa! – Uma pessoa que não a conhecesse pensaria que ela estava cheia de anfetamina, mas aquela era só a Kay animada e com algum plano na cabeça, mesmo. – A vadia da Rê me convenceu que a Malu é que tinha que contar quando estivesse pronta, mas isso foi há sete anos!
-Então você vai contar?
-Não eu tenho uma ideia melhor – Não disse? – Aconteceu uma coisa fabulosa, Vince! A Malu está na cidade.
Como já usei o "puta que pariu", vamos de...
CARALHO!
-Na cidade? Em Londres? Aqui?! Você falou com ela?
-Falei! Eu estava com ela até agora! Ela está a coisa mais linda, Vince! Ela virou gente grande! – Os olhos da Kay brilharam de lágrimas e, apesar de eu não ser chorão como ela, entendi perfeitamente o sentimento. Sabe aquela puta pessoa especial, que você já se conformou que nunca mais vai ver na vida? Porque, antes e depois do show em Paris, tentamos mil outras vezes. E demos com os burros n'água em todas elas.
E agora ela estava na cidade! Puta que pariu, que coisa histórica! Estava pronto pra ir lá imediatamente, mas a Kay falou que inventou uma festa de inauguração do apartamento amanhã, e quando disse que precisava da minha ajuda, era para assegurar que o Tom estaria nela. Segundo sua cabecinha maluca, era fazer os dois se virem de novo que a Malu contaria a história do filho deles, os dois voltariam e ela viria morar em Londres.
-A Malu tá solteira?
-Não, mas a Rê diz que o marido dela é um mané – Kay respondeu, como se isso não tivesse importância.
Só que tem. De repente a Malu ama o mané. O Tom tem que saber que tem um filho, já é de foder que ele tenha passado esses anos todos sem saber de nada, e com essa parte do plano eu estou plenamente de acordo. Mas ele passou o diabo até esquecer a Malu, e se ela estiver feliz com o francês e a Kay só estiver querendo brincar de Deus?
A gente pensa nisso amanhã. Agora, a ideia que a Malu está em Londres parece tê-la tornado real novamente, e isso é simplesmente sensacional.
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Esse POV é parte da Semana do Vince, que está acontecendo até o dia 05/07 no grupo Realidades Paralelas da Mari
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O Lado Escuro da Lua
Roman d'amourEsse livro é uma coletânea dos POVs de Canções da Minha Vida e Diários de Malu, à venda na Amazon.com.br. Essas visões dos personagens foram escritas pelas leitoras e, algumas, pela autora, e nasceram de uma brincadeira no grupo Realidades Paralelas...