- Sinto que ainda não me acostumei com você vindo até a sala. Fico feliz, mas devo confessar que parece uma miragem. - Comentou, vendo o paciente andar até a cadeira à sua frente, onde se sentou.
- Me acha tão bonito assim? - Fingiu surpresa, passando as mãos pela camiseta que vestia. - E olha que essas roupas claras não me favorecem.
- Você entendeu muito bem o que quis dizer, Sr. Min. - Com os olhos semicerrados, por conta da ousadia do rapaz, cruzou os braços apoiando os cotovelos em cima da mesa. - Mas me sinto honrada. Não vou embora sem poder dizer que tivemos algum avanço.
Uma sensação de frio no estômago tomou conta de Yoongi.
Havia notado que sempre que o tema "partida" era colocado na conversa, um certo desconforto insistia em aparecer.
Tinha tempo extra o suficiente para pensar sobre isso e já havia desistido de negar que queria a doutora ali por mais tempo.
Talvez por terem idades próximas e, em sua cabeça, isso parecia funcionar melhor do que com os demais substitutos mais velhos, ou pelo peso na consciência de não poder ser motivo o suficiente para que ela se orgulhasse da própria profissão, mas sabia que não queria que aquele momento chegasse em breve.
A forma como a médica reagia a todas suas provocações, sempre surpresa e indignada, o fazia querer continuar falando, conversando, nem que fosse apenas besteiras, mas isso trazia sorrisos ao seu rosto com uma frequência que há muito tempo não acontecia.Ele era egoísta o bastante para não querer que aquilo acabasse.
E como um total egoísta, continuaria fazendo o possível, enquanto tivesse tempo, para fazê-la despertar nele todas as boas sensações que causava.- Você é boa, doutora. Devia falar para a doutora Eun-ji, quem sabe ela não te arruma uma vaga por aqui. Assim irá manter toda essa honra por mais tempo.
- E com mais tempo, você conversaria mais comigo? Me usaria para se sentir melhor, sabendo que esse é o meu principal objetivo por aqui? Ou seria só mais tempo perdido esperando que você me dê uma brecha para que eu possa fazer meu trabalho? - Yunah questionou, séria, ignorando a pitada de ironia que sentiu na frase de seu paciente. Seu estado de TPM não estava a ajudando com o humor.
"Já te uso para me sentir melhor, doutora." Yoongi calou os seus pensamentos, antes que falasse em voz alta.
- Mais conversas? Se contasse, já trocamos mais palavras do que jamais troquei com qualquer enfermeiro daqui em todos esses anos. - Soou falsamente indignado, como se não estivesse sendo reconhecido. - Inclusive, hoje mal começamos a consulta e eu já não aguento mais ouvir minha própria voz.
- Eu não quero ouvir suas piadas ou seu sarcasmo, Sr. Min. Não é disso que estou falando. - Yunah quase o interrompeu, tão rápido que o respondeu. Talvez fosse sua TPM falando, mas ela daria voz à ela naquele momento. - Não estou aqui para falar com uma máscara que você criou para se defender de seja lá o que for que está tentando se defender aqui dentro. Os muros daqui são altos o bastante para que você possa entender que aqui está protegido e sendo cuidado durante vinte e quatro horas e, talvez, se só por um minuto, desse a chance para que te mostrassem isso, veria que não precisa agir com qualquer limitação.
O tom incisivo da doutora causou estranhamento. Ela falava sério, realmente sério dessa vez.
E isso o irritou mais do que imaginou que irritaria.
Ela provava da liberdade de ir onde bem entendesse, quando bem entendesse, como podia falar sobre limitações?- E o que você sabe mesmo sobre muros, doutora? - Se inclinou para frente, com um sorriso amargo no rosto, mantendo as mão juntas, com cotovelos apoiados nos joelhos. Esses, que balançavam automaticamente, todas as vezes que falava sobre o tema, devido a ansiedade. - Acha que sabe o que é passar a vida preso aqui? Ou, sei lá, tem ideia do que é ser sozinho por não ter controle de si próprio? Não são os muros de lá de fora que me mantém protegido aqui dentro. - Pela primeira vez, calada, Yunah via seriedade no homem. Sentiu que ele parecia querer despejar sobre ela toda a raiva pelas vezes que ela não havia sido profissional o suficiente para entender suas questões de modo profissional. E seguiu calada, quando ainda com a voz firme e grave, continuou. - A mente domina a matéria, doutora. Devia saber disso.
- É por saber disso que eu não quero conversar através de paredes! - A médica insistiu. Entendia exatamente o que ele queria dizer, mas se sentia intrigada por razões, precisava entender os motivos e precisava ver através do muro que ele mesmo havia construído para que conseguisse. - É por saber o que vim fazer aqui que eu preciso que entenda que segurar essa carga não te ajuda! Você está puxando sozinho um cabo de guerra onde é você seu próprio oponente e o resultado é sempre o mesmo: você se machuca! - Respirou fundo, tentando manter o controle da voz, que começava a sair em tom de discussão. - Me deixa fazer o meu trabalho e te ajudar a distribuir esse peso... Me fala, ao menos, quem é o Min Yoongi para eu saber por onde tentar começar.
O pedido da médica ressoou em seus ouvidos.
Quem era Min Yoongi?
Já havia se perguntado isso mais vezes do que desejava.Desviou o olhar da médica, tentando se acalmar, com o maxilar travado em tensão.
Não queria ajuda, não precisava de ajuda de ninguém depois de não ter ajudado nem a si. E quem ele era? Será que realmente estava a fim de saber?
Reconhecer o monstro que teve coragem de fazer tudo o que fez, não parecia convidativo. Deixá-lo adormecido sempre foi a melhor opção. Só não entendia porque ninguém, além dele, via isso.
- Talvez eu seja só o resto que sobrou de tudo que foi destruído. - Falou baixo, soltando ar pelo nariz, rindo amargamente. - De tudo que eu destruí. - Voltou a encará-la, dando ênfase ao falar de si. - Você fala muito e com muita confiança sobre o muro que eu construí para me proteger, mas já parou para pensar se não foi para proteger a mim e sim a quem tá em volta? Tudo o que eu já coloquei as mãos, exatamente tudo, virou cinzas, doutora. A questão nunca foi sobre não querer contar sobre quem eu sou. A verdade é que sou eu quem não quer saber.
A dor em seus olhos se tornou visível. E o olhar do rapaz brilhando mais que o normal, devido às lágrimas presas, fez Yunah engolir em seco.
Quis muito ouvir Yoongi se abrindo, mas não sabia que não estaria preparada quando acontecesse.
Pela primeira vez, naquele momento, a médica sentiu compaixão. Naquele momento, mesmo com sua mente gritando todo o histórico, sentiu que a nuvem densa que havia se formado no olhar do paciente, era prioridade para se livrar.- Você precisa conhecer o que teme, Sr. Min. - Disse em tom mais brando. - É uma briga injusta lutar de olhos fechados.
Yoongi a encarava, parecendo travar uma briga interna e, de alguma forma, Yunah sabia que aquele não seria o dia em que ele se abriria. Mas soube que essa data estava se aproximando.
Só esperava que fosse rápido, assim teria tempo de estar presente quando acontecesse.- Acho que nosso tempo acabou, doutora. - Yoongi se pronunciou após alguns segundos em silêncio, ainda segurando o olhar no olhar da doutora. Havia visto no celular da doutora em cima da mesa, há alguns, que já havia passado a meia hora agendada, mas preferiu usar esse crédito caso precisasse escapar. E ali tinha sido sua deixa.
Viu a doutora assentir brevemente, franzindo os lábios em derrota. Então se levantou, sem dizer mais nada, e foi para a sala de música. Tudo o que mais precisava, era se desligar do que havia acabado de acontecer e sabia que o piano lhe ajudaria com isso.Enquanto isso, Yunah tentava assimilar o grande passo que havia dado e a forma como se sentiu com isso.
Não sentia a vitória que achou que sentiria. Não havia um grande prêmio dourado em suas mãos. Mas o peso dele estava lá e agora precisava entender como se livrar do sentimento de angústia que havia apossado de seu peito.Respirando fundo, já sozinha na sala, pegou o celular para verificar as notificações. Dentre várias dispensáveis, uma de Doutora Eun-ji lhe chamou atenção.
Imediatamente deu play no áudio recebido:
"Minha querida, espero que esteja tudo bem! Tenho uma boa e uma má notícia. A boa é que terei mais alguns dias de férias e a má é que serão cerca de doze semanas em total repouso. Quebrei minha perna e terei que ficar de molho. Peço desculpas por isso, principalmente por contar por mensagem de voz... Foi um imprevisto que, realmente, não queria que acontecesse, mas não tenho outra alternativa. Tudo bem para você continuar me cobrindo nesse período? Caso já tenha outra programação, me avise e darei um jeito de liberá-la. Mas se puder ficar, ficarei muito contente. Te ligo mais tarde, para acertarmos tudo, tudo bem? Beijos!"
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Ashes
FanficEle foi supostamente acusado de matar sua família e agora se encontra em uma clínica psiquiátrica. Enquanto lida com sua culpa e com seus pesadelos, começa a ter consultas com a Dra. Yunah, sua nova terapeuta. No entanto, ele se mantém fechado e re...