Faz um barulho reincidente
Faz meus dedos corarem
É frenético, eletrizante
Maquiavélico, aterrorizanteEstou com tanto medo dela
Se eu teclar?
Vou começar a pensar
A pensar
A chorar
A gritar
E teclar
E teclar
E rasgar as páginasEm meu papel não há lugar para eufemismos
Eu exagero, me desespero
Meu sangue cai e congela dentro de mim
E quer voltar
E me persegue
E novamente me teceMeu suor não se esvai
E martela dentro de mim o desejo de parar
Parar de teclar
Mas se eu não teclar?
Vai se esconder e vai me acharA sala longa se encurtará
Vai me encurralar
Até eu voltar
Voltar a teclar"Abra a porta, saia já daí!", dizem para mim
Mas se eu sair?
Vou mentir pra mim
Fingir que não há o quê teclarA esotérica máquina de escrever
Ah, se todos pudessem entender
Que a sensação de sentar
E chorar
E esmurrar até sair tudo o que quer dizerA esotérica máquina de escrever
Ela faz eu me torturar menos
Menos do que poderia serQuando os papéis que ela tem
Perseguem-te até do outro lado da porta
Que escolha tem você se não abrir?
E você vê
A esotérica máquina de escrever
Sua catarse
Sua purificaçãoSua catarse espera pela próxima vez que você vai usá-la
As luzes piscam, estou etérea
No meu bulício mental, eles conjecturam atrocidades sobre mimMeu travor estival se torna um torpor invernal
Meus dedos afundam nas teclas
Enquanto minha dor se desprende da minha materialização
É desconcertante
Estou com cada vez mais medo
Minha mente ativa cada vez mais em uma epifania contínua
Meu coração parece querer me matar
Meus olhos estão vermelhos e inchados
A mais artística
A mais belíssima catarseA mais profundamente perturbadora cataclisma
A ponderação mais dolorosa do meu viver
Por isso eu estava com medo de escrever
Afugenta minha dor, mas faz isso a desprendendo com tanta força que parece doer mais e não afugentarA esotérica máquina de escrever
A criatura dos dedos calejados
A criatura dos olhos fundos e negros
A criatura que tem uma montanha-russa no lugar de um diafragma
A criatura com as madeixas mais selvagens
A criatura que grita de raiva, que berra de medo, que chora de sofrimento a cada tecla pressionadaE pode ouvir seu corpo parar de clamar
Pode parar e perceber seus dedos trêmulos e machucados
E pode sorrir