-MARÇO-
16- São 5:55 da manhã e faltam cinco minutos para finalmente me despedir do Internato São José, lugar onde passei meus últimos cinco anos. Os cinco anos mais infelizes de minha vida. Foram incontáveis noites desabafando comigo mesma enquanto minhas frágeis lágrimas se desmontavam no travesseiro magro que consistia apenas em uma junção de panos velhos. Mas hoje finalmente tornarei a ver minha querida mãe e respirar ares nostálgicos daquele quintal onde corria enquanto o vento acariciava meu rosto.
Chegando na porteira da chácara dos Santiago minha ansiedade chega ao seu estopim ao avistar minha mãe ao meu aguardo.
- Mamãe! Como senti saudades da senhora.
- Minha filha querida finalmente retornou. - Dei-lhe um abraço forte e antes que eu parasse de respirar seus braços macios me deixaram tomar ar. Ela pegou minha mala que nada tinha de especial e nós entramos.
Enquanto passávamos pela propriedade dos Santiago minha mãe cochichava junto a mim.
- Minha filha, sabe quem acabara de retornar de uma viagem à Capital? O sinhô-moço Bentinho! Ele tá um jovem tão bonito e educado. Dona Glória fez questão de mandar o filho para seu irmão na Capital para que ele tenha como exemplo seu tio Bartolomeu que é o padre da paróquia da Rua dos Inválidos. Eu tenho pra mim que o sinhô-moço não quer cumprir a promessa de sua mãe mesmo que ela tenha feito como forma de agradecer a Deus pelo milagre que salvou a vida do rapaz ao nascer.
- Minha mãe, eu acredito que fazemos nosso próprio destino. Então se Bentinho não deseja se "deleitar" aos prazeres da paróquia, que ele então o faça digno de escolher destino melhor.
Chegamos finalmente ao casebre no qual moramos desde a grande enchente que expulsou eu e minha família de nossa terra.
Já são 17PM e está quase na hora do jantar, melhor banhar-me antes que escureça demais.
- Meu pai, vou me banhar para me juntar a vocês na janta.
- Tenha cuidado a caminho do riacho, pode ter algum bicho perigoso no mato.
- Tomarei cuidado sim, já volto.
Hoje a lua surgiu cedo e já ilumina a mata mas só o candieiro me ajuda a enxergar a trilha. Me limpo nas águas gélidas nas quais me refrescavam do calor de verão nos meus tempos de criança. Volto antes que o óleo do candieiro se vá. A poucos metros do casebre sinto-me observada por olhos terceiros e me assusto ao tomar visão de tal silhueta, era Bentinho, parado, me olhando se aproximar.
- Noite linda, não, Capitolina?
- Deveras, Bento. Refrescante voltar às minhas lembranças de menina.
- Então o que dizem é verdade. Você se tornou uma jovem de beleza admirável e creio que a luz do luar intensifica tal efeito. Esta rosa selvagem complementa seus traços exóticos.
Ele então me entrega uma Peônia roxa e eu a tomo para mim.
- Agradecida. - O cumprimento com a cabeça e sigo meu caminho.
Depois do jantar retorno ao meu quarto e finalmente sinto-me em casa. Afim de guardar esse presente tão singelo vou em busca da caixinha de ferro que ficara debaixo da minha cama todos esses anos. Nela reencontro pedaços de lembranças felizes e visito minha infância. Bentinho sempre esteve presente nessas lembranças felizes e também nas tristes. Lembro-me de quando ele me defendeu dos perjúrios do infeliz do Donaldo e desde então o guardo secretamente nessa caixinha junto do meu coração. Ponho a flor selvagem junto às memórias que agora aceleram meu coração e em seguida vou deitar.
- Agora que o reencontro tornou-se realidade sinto-me aquecida mesmo que essas brisas soprem da janela e invadam meu quarto.
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Olhos De Cigana
FanfictionVenho por meio deste registro vos mostrar um ponto de vista diferente daquele que chegou ao seu conhecimento, caro leitor pois ninguém melhor que eu, Capitolina para contar minha própria história. "Olhos de cigana" foi uma tentativa de usarem de min...