Ele seguia sorrateiro o pequeno ser que descia pelo caminho do rio. A floresta era densa, e as árvores mal permitiam que a luz do sol atravessasse por entre elas.
O tempo estava frio, o inverno já estava chegando, mas para ele isso não era importante. A única coisa que tinha a sua total atenção era a criança que saltitava despreocupada, carregando uma pequena cesta que exalava um cheiro apetitoso.
Mas isso também não era o que ele desejava. Talvez o que tinha na cesta servisse de sobremesa depois que ele devorasse a criatura desavisada. E quem poderia culpá-lo? Estava apenas fazendo o seu trabalho. Afinal, que culpa tinha se os pais hoje em dia não temiam por suas crianças?
Já houve um tempo em que os pais se preocupavam mais com seus descendentes. Se fossem os seus filhotes, ele jamais permitiria que andassem sozinhos pela floresta, muito menos "naquela floresta" onde os lobos eram os menores dos problemas.
Enquanto seguia a criança de longe, preparando-se para dar o bote em sua refeição, ele a sentiu. Ela sempre aparecia nos piores momentos possíveis.
— O que faz aqui? — Ele rosnou enquanto uma forma saía a passos lentos de trás de um arbusto. A criatura saltou para uma pedra próxima e o encarava com seus brilhantes olhos verdes brincalhões.
— Eu que deveria fazer essa pergunta. O que faz por aqui? Este lado da floresta não faz parte do seu território.
— Eu já estou de saída, mas minha presa seguiu por esse caminho. Ele odiava ser pego quebrando as regras, ainda mais por ela, quando ele mesmo concordou com os termos tempos atrás.
— Não é assim que funciona, você sabe. Foi você mesmo que criou essa regra: cada um no seu território, assim ninguém se mete nos assuntos dos outros.
— Só desta vez. Ele falou entre dentes, mais parecendo uma ordem do que um pedido.
— Não. Volte para o seu lado da floresta. Você não vai atacar nenhuma criatura do meu lado. Ela fez questão de enfatizar o "meu".
— Raposa, estou com fome. Já faz dias que não como nada, e o inverno não vai demorar. Você sabe que eu preciso caçar.
— Faça isso, mas no seu lado da floresta. Não vou repetir, lobo.
Ele sabia que ela tinha razão. Aquele não era o seu território, mas ele estava faminto, e aquela menina parecia apetitosa. Contudo, mesmo desejando saltar por cima da raposa, que não tinha nem metade do seu tamanho, e continuar seguindo a sua presa, ele decidiu que não iria iniciar uma briga com ela por conta de uma garotinha. Provavelmente, ela ficaria uma fera com ele, e ele não queria isso, especialmente agora que os dois haviam se reconciliado depois de mais uma das suas brigas que ja eram corriqueiras.
— Tudo bem, dessa vez você venceu. Já vou indo. E deu as costas antes que mudasse de ideia. Seu estômago começou a roncar, e ele abaixou as orelhas com vergonha, esperando que ela não tivesse ouvido.
Foi quando seus pensamentos foram interrompidos pelo grito agudo e, logo em seguida, a voz de uma criança pedindo socorro.
— LOBO, RÁPIDO! Mas ele já estava correndo, tão rápido que mal sentia as patas tocando o chão. Ela estava ao seu lado, tão veloz quanto ele próprio.
Eles chegaram a tempo. O humano estava por cima da criança, tapando a boca da menina com uma das mãos enquanto tentava levantar o vestido dela com a outra. A cesta estava caída no chão, e ela chorava enquanto tentava se soltar desesperadamente do monstro que a atacava.
Eles atacaram juntos, e mesmo o homem adulto não tinha nenhuma chance contra os dois. Ele rasgou o braço do homem com suas presas, e a raposa rasgou a garganta ferozmente. Logo, ele já não se debatia, e o corpo estava estraçalhado quando terminaram.
A criança estava no chão, encolhida, e chorava tanto que seu corpo tremia. O lobo manteve-se afastado. Ele não se aproximava de humanos a menos que fosse para uma refeição. Porém, a raposa se aproximou. A criança se encolheu no meio das folhas no chão, o vestido estava com as alças rasgadas, ela estava deplorável de se ver.
Quanto mais a raposa se aproximava, maior parecia, e quando ela estava de frente para a criança, ela já não era mais uma raposa, e sim uma jovem de longos cabelos rosados que quase tocavam o chão.
— Ele não vai mais te machucar. A menina a encarava com seus belos olhos castanhos, que ainda estavam úmidos do choro.
— Posso me aproximar? Sim? A criança acenou devagar com a cabeça. A jovem pegou a cesta caída e, bem devagar, se aproximou da menina. Sentou ao seu lado e abriu os braços. A criança pulou em sua direção, e com o rosto escondido no vão do seu pescoço, ela voltou a chorar.
O lobo observava de longe. Seu pelo estava tingido de sangue, mas ele não se importava. Seus olhos ainda permaneciam na jovem que ninava a menina humana nos braços.
A menina dormiu, e a jovem a carregou no colo sem nenhuma dificuldade.
— Vou levá-la ao vilarejo.
— Tem certeza? — Ele questionou sem entender por que se preocupar com uma criança humana.
— Sim, não vou demorar e é perto.
— Por que não a deixa aí? Ela dá um jeito de voltar. — A rosada virou as costas, ignorando-o, e ele bufou. Odiava quando ela agia como se ele estivesse errado, mesmo quando ele claramente estava certo.
— Quando eu voltar, espero que já tenha terminado com isso. — Ela apontou com a cabeça em direção ao corpo. — E faça o favor de se limpar no rio depois, detesto cheiro de sangue. Ele bufou, mas não disse nada.
A garota não aparentava mais do que 19 anos e seguia por entre as árvores como se conhecesse cada pequeno canto daquela floresta, e de fato conhecia.
Assim que se aproximou do local onde os humanos moravam, ela observou com cautela cada uma das pequenas construções. Havia poucas pessoas do lado de fora, o que ela agradeceu, detestaria chamar atenção. Com confiança em seu faro, ela conseguiu encontrar uma humilde casa um pouco mais afastada das outras. O cheiro da criança estava presente naquele lugar, e ela, sorrateira como era, conseguiu deixar a criança no chão da pequena varanda sem ser vista.
De volta à floresta, ela seguiu pelo mesmo caminho, encontrando seu companheiro lobo no mesmo lugar onde o havia deixado, mas percebeu que agora o seu pelo já não tinha mais a coloração escarlate.
— Eu não sei por que insiste em se envolver com os humanos. — O lobo agora havia se transformado em um jovem, um pouco mais velho do que ela, talvez uns 20 anos no máximo.
— O que eu faço ou deixo de fazer não é da sua conta. — Ela se aproximou, parando apenas alguns centímetros de distância dele, e o encarou com aqueles belos olhos verdes, empinando o nariz arrebitado que o tirava do sério.
— Não foi isso que pareceu na semana passada.
— Isso é outra história. — Ela sorriu, ficando na ponta dos pés, e selou suas bocas em um breve beijo, enquanto circulava o pescoço dele e ele a cintura.
— Eca, você ainda está suja de sangue. — Ele brincou quando os dois se afastaram.
— O que vamos fazer com o corpo?
— Deixe-o aí, depois os outros humanos dão um jeito. — Ele deu de ombros, já seguindo o seu caminho.
— Você não muda nunca, Sasuke. — Ela revirou os olhos, puxando-o pela mão.
— Tem certeza que é só eu, Sakura?
E logo um lobo e uma raposa corriam pela floresta, e apesar de ser pequena, ficava claro que era a raposa que tinha o lobo nas mãos, ou patas, se assim preferir.
Fim.
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O Lobo e a Raposa
FantasyO lobo só pretendia persegui a sua presa, mas a raposa sempre tinha que se meter.