O Bar do Três Poderes

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Numa noite chuvosa, entram num bar um deputado, um promotor de justiça e um diplomata.

Na verdade, primeiro, entraram apenas o deputado, que tinha a cara estampada em milhares de posts apelativos pelas redes sociais, e o promotor de justiça, que decidiu não trocar de roupa após o fim do expediente. O diplomata, de bermuda, camisa de botão estampada com mangas curtas e sapatos novos, teve que esperar na fila. Enfurecido, e com certa razão, foi questionar a moça que coordenava a equação "cadeiras vazias por cliente". De tanto insistir e insultar a recepção do lugar, comparando o atendimento desse bar mediano dos confins da Asa Sul com os bares de Praga que visitou enquanto em missão no exterior, foi acomodado em uma mesa de quatro lugares que acabara de vagar. O diplomata ficou realmente contente com o resultado de suas boas habilidades de retórica pacífica, mas ele de fato só conseguiu furar a imensa fila porque na cabeça da funcionária não ecoava a mínima ideia do que fazia um diplomata. Era isso algo bom, neutro ou ruim para o estabelecimento? Mas no fim, o deixou entrar porque o título lhe soava como alguém fizesse parte dos agentes disfarçados da vigilância sanitária.

O bar parecia ter saído de um filme. Mas daqueles filmes que Hollywood vende, enlatados, enunciando o quão miserável é a vida no sul do mundo, mesmo quando se tem dinheiro e quer sair para beber alguma coisa com os companheiros. O lugar, no entanto, era razoavelmente arrumado, dentro dos parâmetros legais que um estabelecimento pode funcionar sem ser considerado um perigo biológico. Mas as pessoas, mesmo assim, gostavam de frequentar o local como uma atração que costumavam chamar de underground. Era uma estética tão fora do usual elitista brasiliense! Os jovens adoravam e os velhos se identificavam. E o dono, que na verdade também trabalhava como chapeiro por mero costume dos anos, odiou a ideia do filho de atrair mais clientela para o lugar. Tudo culpa desse rebranding. Ele odiava os moderninhos de cabelo azul que riam alto demais e criticavam suas músicas da era dourada de 1980.

O deputado e o promotor, que tinham sido alocados em banquetas altas ao balcão, se indignaram. Como era possível alguém entrar logo depois deles e ainda conseguir uma boa mesa? Depois de muita discussão, o diplomata, sendo diplomático, convidou os dois colegas do serviço público para se juntar a ele. O promotor agradeceu, reclamando de dor no ciático, e o mesmo fez o deputado, que se viu sendo o mais novo dali. Se sentiu meio tenso com essa reunião inesperada e, para não estragar a chance de alcançar novos contatos em Brasília, puxou o celular e rapidamente buscou pelo significado de jurisprudência, caso alguém repentinamente lhe perguntasse algo usando o termo. E então começaram a monótona conversa de elevador sobre o péssimo atendimento e sobre como chovia naquela noite - como se todos os inícios de noite brasilienses em janeiro não fossem sempre iguais. Logo depois começaram as devidas apresentações.

Secretamente, todos, individualmente, achavam que a função pública dos outros dois era um desperdício para os cofres públicos.

Prudente disse aos novos conhecidos que era promotor de justiça, ansioso por algum sinal de deslumbramento nos olhos de seus ouvintes. Ele já estava na casa dos sessenta, mas a sensação de ser apreciado nunca envelhecia. Luiz, que emanava uma energia de Bon Vivant de Higienópolis, contou que era diplomata, o que foi complementado pelo comentário de Prudente dizendo que seu filho mais velho passou um tempo se dedicando ao sonho da diplomacia, mas que depois de investir por oito ou nove anos em materiais e recursos para estudo, o filho desistiu da ideia dizendo que a carreira nos últimos anos não ia tão bem assim. Fernando disse que era deputado, mas disso os outros dois já sabiam, só não queriam lhe dar um gostinho de quer de fama pelas abobrinhas que vinha dizendo online. A cereja do bolo ainda era o fato de que, após alguns escândalos de cunho extraconjugal, todos os vídeos de Fernando tinham sua mulher aparecendo ao seu lado, os dois sentados lado a lado, ela com roupas espalhafatosas de grife e o coitado falando roboticamente, tal qual um prisioneiro de guerra lacrimejando suas últimas palavras.

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⏰ Última atualização: May 12, 2024 ⏰

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