único

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nós somos um mosaico das pessoas que já passaram por nossa vida.

ao acordar, sempre saúdo aqueles que não estão mais comigo. antes de qualquer ação, levanto do meu pequeno colchão e sigo até o altar dedicado a você. junto minhas mãos. inclino a cabeça. saúdo. observo sua foto. sinto sua falta. sorrio. me despeço. levanto.

tu fazia o mesmo. todos os dias, dedicava um tempo da tua manhã para conversar com tua mãe. até me levava junto. dizia que era para ela não se sentir entediada.

ao arrumar a casa, ponho acústico para tocar. até comprei uma pequena caixa de som, na cor azul. tua cor favorita.

tu sempre falou que a vida sem música é o mesmo que um filme sem trilha sonora ou efeitos sonoros. é um filme pacato. chato. sem emoção. por isso me ensinou a apreciar. agora todos os meus afazeres têm sons.

aos feriados, eu acampo. viajo até as montanhas e monto uma barraca à beira-rio. levo livros. levo comida suficiente para dois. levo um kit de pesca. nunca peguei um mísero peixe.

tu falava que conectar-se à natureza traz diversos benefícios para a saúde mental e pessoal. creio que por isso me arrastava para camping. tu queria me ver bem.

ao me sentir triste, vou até a doçaria do teu amigo. sento na mesa sete. peço um milk-shake de chocolate. lembro de você.

tu dizia que era um sabor mágico, capaz de levar tua tristeza embora. e só era aquele. doceiro nenhum, além de hyunjin, era capaz de fazer tamanha magia.

ao entrar em minha casa, pode-se observar um par de pantufas rente a porta.

tu dizia que não me aceitaria como namorado se continuasse andando descalço pela casa, e em seguida deitar com os pés sujos.

aos sábados, por volta das sete horas da noite, é possível me observar preparando pipoca caramelizada. tua favorita. com uma porção para dois, me encontro relaxado sobre o pequeno sofá da sala de estar. na televisão, lego batman é transmitido.

tu tinha as falas decoradas. comentava baixinho que era teu filme favorito, e que não existia herói melhor que o batman. eu discordava. homem-aranha existe.

antes de você, eu era ninguém. um ser monótono. uma paleta de cores escuras. tu me transformou em algo. passei a ter motivos. passei a ser um motivo.

tu dizia que continuaria a lutar por mim. eu sabia que sim. também sabia que teu estado era grave. e quando a notícia veio, não me surpreendi.

hoje completa três anos da tua partida ao céu. gosto de imaginar tu correndo pelos campos floridos do paraíso, ao lado de tua mãe.

pois era assim que tu gostava de imaginar ela. livre.

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