Chovia, mas não era qualquer chuva, era daquelas que alagava as ruas e deixava o horizonte cinza. E mesmo com o temporal, estava quente. Eu de shortinho vermelho e botas, com um top sem sutiã, andando descompassadamente na rua querendo apenas chegar em casa. Me senti um ponto destacado e em pouco tempo de caminhada um carro encostou, buzinou e assobiou. Olhei para trás, ouvi outra buzinada, dei de ombros e fui em sua direção. O vidro da janela desceu, me debrucei exibindo parte do decote e meus longos cabelos negros escorregaram para dentro do carro.
— Quanto é? — Perguntou o homem.
— O que? — Perguntei sem compreender.
— Pra sair com você.
— Ah... eu não...
— Entendi. — Ele me interrompeu. — Quer entrar? Sair dessa chuva, te levo em casa.
— Moro logo ali. — Apontei sem especificar o lugar e me afastei.
Ouvi a janela fechar e o carro acelerar, quando passou pela poça me molhou inteira, "Desgraçado!". Ao dobrar a esquina, entrei no segundo prédio e subi o lance de escadas, meu apartamento nunca ficava trancado, mas não tinha o que se fazer naquele minúsculo apartamento que mal me cabia. No chão, havia os terríveis boletos atrasados: condomínio com água, gás, luz e internet inclusos, precários assim como meu salário comercial. Eu trabalhava no mercadinho a duas quadras de distância durante oito horas para ganhar trinta reais diários, totalizando uma média abaixo do que eu deveria receber.
Era muito automático: chegar, largar as roupas no chão, fazer macarrão instantâneo de galinha com requeijão, tomar banho ouvindo músicas aleatórias de uma playlist qualquer e dormir à base de remédios e pela manhã começava tudo outra vez. Mas não naquele dia, não naquela noite de chuva. Quando me larguei no sofá, senti algo debaixo de mim, puxei e vi o cigarro. Era o último que Chico havia me deixado.
Chico, meu ex namorado, não conseguia largar essa porcaria por nada, mas conseguiu me largar para ir atrás de uma qualquer. Homens são assim e em suas mãos me sinto uma vela que queima intensamente até derreter. Amassei aquele cigarro derby vermelho como se fosse o coração de Chico, queria que ele sentisse aquilo, e joguei no chão. Chorei como uma cadela com frio na tempestade. A partir dali, era eu e mais nada.