CAPÍTULO IV: Êxtase e Escuridão

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❝ Ela dançava com o diabo, seduzida pela promessa de alívio

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Ela dançava com o diabo, seduzida pela promessa de alívio. Em uma noite, ela experimentou o êxtase e a escuridão em uma dança sem fim.

Às vezes, dizem que sou uma pessoa muito sonhadora, e isso soa um pouco como um clichê, um rótulo fácil que as pessoas colam em mim. Afirmam que o meu entusiasmo transparece sempre que falo sobre as coisas que me apaixonam, como se vissem em mim um brilho que eu própria não consigo reconhecer. Mantêm uma certa expectativa, observam-me como alguém destinado a grandes feitos, mas eu não me sinto assim. Até agora, não realizei nada que considere verdadeiramente notável. Sempre que penso em concretizar algo extraordinário, algo acontece para arruinar tudo. Não sei se devo admitir que sou um grande fracasso, que talvez nunca seja capaz de alcançar algo grandioso ou de me tornar alguém especial.

Há um provérbio que diz que tudo acontece por uma razão. Mas será que há mesmo um motivo para as coisas que me sucedem? Gostaria de ser comum, pelo menos uma vez na vida. Às vezes, sinto-me aprisionada num túnel escuro e interminável, onde nenhuma luz alguma vez surgirá para me libertar deste ciclo vicioso que é a minha existência.

Enquanto medito sobre a miséria que me consome, entro no meu quarto em silêncio, agradecendo aos céus por todos já estarem a dormir. Isso facilita a minha passagem pela sala, sem ter de enfrentar as inevitáveis perguntas sobre o meu estado. Acendo as luzes e fecho a porta. Caminho até ao espelho e solto um suspiro pesado. A imagem refletida não me agrada; na verdade, é como se olhasse para uma estranha. Nada em mim parece estar certo. Descalço os sapatos e atiro-me para a cama, mesmo sabendo que é impróprio. Sinto-me suja, impura, porque um homem me tocou, imunda porque o cheiro de sangue e suor ainda está entranhado na minha pele.

Uma irritação fervente cresce dentro de mim. Quero arrancar a minha própria pele; não suporto sentir-me assim.

Levanto-me de súbito, tiro a roupa e coloco-a num saco, como se fosse lixo tóxico que preciso de eliminar. Vou até à casa de banho do meu quarto e começo a tomar um duche. A água escaldante cai sobre mim, mas não sinto alívio. A esponja não será suficiente para limpar toda esta imundície. Pego na escova de esfregar os pés e começo a raspar a pele com força, usando o gel de banho. Esfrego como se quisesse apagar cada toque, cada memória. Nada parece funcionar. O meu olhar fixa-se no detergente que uso para lavar a roupa branca; agarro-o e despejo-o na pele, sentindo o ardor imediato. Esfrego até as queimaduras começarem a aparecer. Deixo tudo cair no chão e permito que a água escorra pelo meu corpo enquanto fecho os olhos.

O banho deveria ser um momento de conforto, uma oportunidade para recarregar as energias, mas sempre que fecho os olhos, as memórias invadem-me: os risos, os gritos de socorro e como cada um daqueles homens se divertiu enquanto eu me afundava no desespero. Parece que as suas vozes ainda ecoam na minha cabeça, zombando da minha impotência. Lágrimas misturam-se com a água. Saio dali totalmente destroçada, como se o banho tivesse arrancado ainda mais do pouco que resta de mim. Envolvo-me numa toalha, já notando as manchas vermelhas na pele, que ardem ao menor toque.

Seco-me, aplico creme para aliviar a dor e visto um fato de treino com meias, tentando desesperadamente encontrar algum tipo de conforto. Deito-me na cama e encaro o teto por alguns segundos, buscando um foco, algo a que me agarrar.

Só preciso de aguentar até aos 25 anos, repito para mim mesma, como um mantra em que já nem sei se acredito. Prometi que não voltaria a pensar em suicídio antes dos 25. Até lá, tenho de lutar o suficiente para sair desta escuridão que me consome. Mas tudo parece tão difícil. Quero acabar com este vazio, mas como? Já tentei de tudo. A minha mente é um labirinto de confusão, de ideias desconexas que não levam a lado nenhum. Não consigo encontrar a saída. Será este o meu destino? Caminhar por trilhos que não conduzem a lugar algum?

A tentativa de assalto, o acidente, tudo poderia ter sido evitado, mas fui incapaz de fazer algo para impedir tantos problemas. A minha sorte, ou talvez maldição, é que aquele homem, Daniel, foi misericordioso ao assumir as responsabilidades por tudo, quando a culpada sou eu. Mas será que ele realmente acredita nisso? Ou vê-me como mais uma causa perdida, alguém que nunca conseguirá sair do abismo em que caiu?

Estendo a mão até à mesa de cabeceira, abro-a e retiro de lá um frasco de comprimidos. Está quase vazio. Preciso de falar com o Henry para me arranjar mais. Estes comprimidos são a minha tábua de salvação; acalmam-me, mantêm o caos à distância e regulam o meu sono, transformando-o num esquecimento abençoado.

Não é fácil encontrar sedativos nas farmácias de forma ilegal, mas quando pagas o preço certo, tudo é possível. Pego em duas pílulas, o suficiente para me deixar inconsciente por longas horas, e engulo-as com água do bebedouro que mantenho sempre no quarto. Deito-me e encaro o teto, esperando que o entorpecimento chegue rápido.

Tudo parece começar a ficar mais leve. Sinto como se o meu corpo estivesse a flutuar, a desligar-se da realidade. Sorrio com a sensação. Precisava disto. Finalmente, sinto-me em casa, na única casa que conheço: este estado de fuga, onde os problemas parecem menos reais. Os meus batimentos tornam-se tão lentos que se assemelham a uma sinfonia clássica, lenta e trágica.

Os meus olhos pesam. Lentamente, fecho-os, e a escuridão é tudo o que vejo. Uma escuridão que, por mais assustadora que seja, oferece-me a única paz que conheço.

Insidioso Encanto - Triologia Encanto Sombrio, Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora