Sábado, 24 de Março de 1984. Colégio Shermer. Nesse dia, cinco alunos do ensino médio ficaram de detenção por nove horas na biblioteca. Nenhum deles conhecia um ao outro, por enquanto. Eram bem diferentes entre si, mas, mesmo assim, podia-se dizer que tinham uma coisa em comum: Todos chegaram cedo para seu longo castigo.
Às sete horas em ponto, uma BMW encostou em frente às escadarias do prédio. De dentro do carro, Claire, uma garota com mechas ruivas e onduladas até o início da nuca, observou o caminho habitual para o que chamava de " tortura curricular " ( não na frente dos pais, claro ) e percebeu, de repente, que a calçada do colégio estava repleta de rachaduras. Pequenas, grandes, grossas e finas; rachaduras que deslizavam para os degraus, como raízes de uma erva daninha que cresceu bastante, pois nunca recebeu o tratamento apropriado.
- Eu não acredito que você me deixou nessa fria. - ela diz para o pai, no assento do motorista.
- Querida... - ele começou. Claire revirou os olhos com o tom de voz que ele usou. Sua mãe deixou bem claro que achava aquele tom de voz manso insuportável. Com o tempo, ela passou a achar, também. - ...você faltou em um dia de aula para fazer compras no shopping!
- Estava tendo promoção na Tommy Hilfiger! Eu não podia esperar até o fim de semana, tinha um par de botas muito lindo...
- Esse par de botas? - ele apontou para os pés dela. Claire não soube o que dizer e seu pai a encarou com um sorriso familiar de repreensão passiva. - Eu volto para lhe pegar quatro horas. Seja boazinha,sim?
- Tá. - respondeu a garota em completa frustração, saindo do carro com suas botas novinhas em folha. Lá se foi sua chance de sair daquele buraco. - Por que fui falar logo das botas?
...
Brian observou a menina ruiva que atravessava a rua para dentro do colégio. Estava vestida com um agasalho marrom e um cachecol vermelho comuns, mas a saia e as botas eram roupas caras. As botas eram novinhas, de uma das marcas dos shoppings de Chicago. Quem sabe. Tommy Hilfiger, Ralph Lauren, GAP; em seus termos, eram todas a mesma coisa. Para essas garotas, no entanto, o modo que a canela ficava dentro dessas botas já era um diferencial inacreditável.
- Você está me ouvindo? Brian!
- Sim, senhora. - ele respondeu para a mãe. Apesar de ser um garoto alto aos 16 anos, já com seus 1,80, ela o fazia se sentir mais baixo apenas com sua voz severa. Era raro usá-la com ele, sendo geralmente reservada para sua irmã, e a pirralha tinha tanta consciência disso que tinha ido com os dois para deixá-lo na detenção! Ela iria ver.
- Não esqueça de estudar quando estiver lá dentro. Entendeu?
- Mas, mãe, é um Sábado de detenção. Nós não podemos fazer nada, não podemos nem mexer nos livros da biblioteca.
- Não quero saber! Você deve achar um jeito de estudar, mesmo assim.
- É! - diz a sua irmã. Brian olha fulgurosamente para ela, mas não responde. Não valeria a pena. Em casa, sim; no carro, não.
- Sim, senhora. - Ele sai do carro e tira seu gorro. A brisa da primavera, em uma manhã particularmente fria, passa pelos seus cabelos através da sua nuca e os deixa arrepiados. Como tudo que acontece em sua vida, o garoto apenas deixa a brisa passar e segue em frente. Quando a mãe dirige para longe, ele volta a pensar na garota. Brian tinha uma ideia de quem ela era, mas preferia ver seu rosto antes. O pensamento o aquece novamente.
...
- Ei, campeão.
Andrew estava cheio daquela voz. Na verdade, estava cheio de tudo. Porém, desde tudo o que aconteceu, sentia algo que existia atrás dele, como uma criatura baixa e peluda que fazia cavalinho em seus ombros, lembrando-o da vergonha. Pela primeira vez, algo o deixou paranóico mais do que o seu pai ou o seu treinador e foi aquela coisinha nas suas costas; foi o suficiente para convencê-lo a não resistir à detenção. No fim do dia, ele aprenderia que ela tem nome: " culpa ".
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Clube dos Cinco - releitura
Teen FictionMinha versão dos eventos do Clube dos Cinco, consertando algumas coisas da estrutura narrativa.