Naquela última semana, a Condessa de Blackwood Hall vinha se relacionando intimamente com a ausência. Não esperava pela luz do sol entre as nuvens cinzas e molhadas para sair da cama, caminhava no escuro pela mansão e voltava para cama quando ouvia o barulho do primeiro criado despertando para trabalhar. Os cômodos lhe apeteciam na falta de outras pessoas. Seus pés apenas a conduziam a sala de estar quando os ruídos vindos do escritório do Conde eram inexistentes. Ela tinha se recolhido a sua própria presença e ao caos de sua mente.
Não fosse por Liev Tolstói, estaria completamente sozinha. O exemplar do romance russo havia se tornado parte do corpo dela, seus dedos reconheciam o couro da capa melhor do que qualquer outra coisa. O único outro objeto que disputava em proximidade era a aliança no dedo anelar esquerdo de Raven, a qual ela evitava olhar numa tentativa de manter-se imperturbável.
E era na companhia de Anna Karenina que a Sra. Styles perscrutava o andar térreo da casa. De pé, encolhida a balaustrada do primeiro andar, Raven aguardava por sinais de vida. Queria esticar as pernas em outro lugar que não fosse o recamier de seu quarto ou sua cama. Queria respirar um ar um tanto menos poluído de sua própria agonia. Sentia medo, mas a solidão tinha o poder de deixá-la igualmente louca e naquele dia em particular, a Condessa necessitava de algum tipo de mudança ou ficaria ainda mais doente.
Ela não podia perder as forças. Não podia perder o juízo. Tinha chegado a essa conclusão assim que passara a desconfiar da natureza da crueldade do homem com quem havia se casado. Se baixasse a guarda, se desviasse sua atenção da ameaça de perigo, acabaria como a mãe. Estava certa disso, como estava certa de que homicídio era um pecado passível a punições severas. Não queria ser a próxima vítima num beco imundo, com as tripas para fora. Não se importava com a probabilidade daquilo lhe acontecer ou não de fato. A certeza daquilo lhe ardia nos ossos frágeis embaixo de sua carne fina.
Se Raven cedesse, morreria. Se pisasse em falso, apodreceria numa instituição mental até o resto miserável de seus dias.
Outra conclusão a qual a Condessa havia chegado era de que preferia a morte. Quando o dia chegasse, e ela sentia que chegaria, pediria para o Conde matá-la. As pessoas geralmente costumavam pensar que a morte era a pior coisa que lhes podia acontecer, mas o destino de Alberta Graham refutava essa convicção. O pior mesmo era ser submetida a uma vida de tortura, sem autonomia, sem liberdade, onde nem mesmo sua própria mente é um lugar que se pode confiar.
O inferno mesmo era aquele o qual não se podia escapar, não importando o que se faça.
Mas por enquanto se resguardaria. Não queria que seu eminente destino chegasse. Não estava pronta. Ainda haviam coisas as quais ela precisava fazer, verdades que desejava descobrir. Ela não tinha se perdido completamente, seu ego ainda tinha pulso.
Portanto, afinou os ouvidos. Esperou. Agachada aos balaústres do primeiro andar, ela espiou e continuou esperando.
Ninguém.
Era seguro descer.
Descalça, ela correu silenciosamente para a sala de estar. As portas do escritório estavam fechadas, o casaco e a cartola do Conde Styles não estavam pendurados à entrada da casa, mas ainda assim o coração de Raven galopava com selvageria. Ela se encolheu no divã e esperou outra vez. Quando, novamente, ninguém apareceu, a Condessa se permitiu relaxar.
Abriu sua cópia de Anna Karenina e esticou as pernas no estofado. Estava no segundo volume do romance de Tolstói e o affair de Vronsky e Anna já tinha sido exposto para o mundo. Eles haviam tomado todas as medidas necessárias para viverem juntos, apesar do escrutínio social e da profunda culpa que sentiam. Tiveram uma filha e se amavam, mas estavam infelizes. A união do casal ia de mal a pior e enquanto lia, Raven tinha um mal pressentimento quanto a tudo isso.
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𝐑𝐢𝐩𝐩𝐞𝐝 • H.S.
FanfictionSéculo XIX. Era Vitoriana. Presa a um acordo de casamento sem amor, a vida pacata da geniosa Raven Graham se transforma drasticamente quando ela tem de se mudar do interior para Londres, para morar com o seu novo marido, o Conde Harry Styles -- que...