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"São por volta das 23hrs de uma sexta-feira. Amanhã é um dia especial eu diria, não é meu aniversário mas uma data que devia ser marcada, pelo menos por mim
e por ela."
O tempo é agradável, considerando as condições climáticas desses dias é considerado quase que um milagre sentir o frio subindo pela minha espinha e se espalhando pelo meu corpo, me fazendo ser obrigado a colocar um casaco antes de sair de casa.
O mesmo cenário que pode ser imaginado em uma sexta a noite pode ser observado: pessoas caídas na rua depois de virarem 'sabe-se-lá-quantos' copos de bebida alcoólica em um bar local; outras na tentativa de as ampararem e falhando miseravelmente por também estarem sob o efeito do álcool; e os que não tem tamanho desprezo pelo corpo vital e preferem descontar suas amarguras em seus próprios familiares. Se for pra ser sincero, admiro esse último tipo, até porque há a tentativa de conservar o próprio corpo físico, diferente daqueles que de afogam na desilusão do etilismo.
Como eu disse, não é um cenário incomum de se ver plenas 11 da noite de um praticamente fim de semana. Agora, se eu não fosse eu mesmo, acharia estranho alguém se aproximar de um lugar com a atmosfera tão "sinistra" e "macabra" como o cemitério escuro, mas acho que teria até que uma boa companhia ser fosse visitado por um espírito conturbado que tem sede de vingança por aquele que o matou. Pelo menos seria mais uma história pra eu guardar e rir enquanto estiver fazendo alguma coisa.
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Observo aquele túmulo, segurando o cigarro entre meus dedos. Ah... "Miriam", quantas memórias esse nome me trás...
-- ? Irmã e filha eternamente... amada? pffft- quem te dera né, Mirio?
Ela odiava esse apelido.
Me agacho na frente do túmulo, limpando um pouco do musgo que tem acumulado. Depois de uns... 6 anos, é a primeira vez que consigo o encarar sem sentir um nojo imenso e sentir uma vontade enorme de vomitar. Claro, é inevitável essa sensação até hoje em dia - principalmente imaginando a textura do sangue escorrendo pelas minhas mãos - mas é tolerável, graças a ela eu consegui sair daquele inferno que eles chamavam de internato.
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Miriam era 3 anos mais velha que eu, e era inacreditável a maneira como ela se aproveitava desse fato.
Pelo menos agora ela não vai mais envelhecer!
Ela era... bem, com os outros ela era muito amigável, até meio estranho de se ver. Era como se ela tivesse uma máscara colada em seu rosto que, em hipótese alguma, ela tirava.
Bem, isso até ela me conhecer.Naquela época eu tinha o carinhoso apelido "Favoritinho" por praticamente sempre estar com as freiras do colégio, mas esse fato ta LONGE de ser algo pra se gabar. Começando pelo fato de que eu nunca foi um aluno de destaque entre os professores, ou pelo menos não pelo motivo pelo o que achavam que era. Digamos que eu era... "especial" entre as outras crianças, e por conta disso elas acreditavam que eu era imperfeito, desmerecedor dos céus e até algumas me chamavam de "Filho legítimo do Diabo"... esse eu confesso que gostava de ser chamado, mas não vem ao caso.
De alguma forma, Miriam descobriu o motivo das professoras sempre ficarem me enchendo o saco e resolveu usar isso pra própria satisfação, indo além dos "testes" que as autoproclamadas "freiras" faziam comigo (não vem ao caso agora). Claro, eu como a criança estúpida que era aceitava quando vinha dos adultos, até porque a desculpa esfarrapada da "palavra de deus" era muito acreditável pra mim na época, e com ela não foi diferente! Aqueles três anos eram a diferença de idade ideal para Miriam acreditar que podia usar a mesma desculpa que as freiras para me "testar".
Eu, como bem educado fui antes daquilo, aceitei de boca fechada e garganta trancada. Quem eu era perto de um "adulto" pra desobedecê-lo?
Exatamente, ninguém. Essa era a visão que me fizeram, por longos 14 anos, ter de mim mesmo.
Eu não lembro o que aconteceu direito, só de acordar e olhar pras minhas mãos ensanguentadas, com o fraco feixe de luz que vinha da porta e o corpo, ainda levemente quente, deitado na minha frente e coberto de sangue. Não me admirou que 2 dias depois o internato me jogou na rua, mas a mistura de emoções foi... inesquecível, de fato.
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- Bem, já bateu meia noite. Obrigado pela companhia, Miriam. Feliz aniversário de morte, que o inferno esteja mais quente que aquele lugar que você costumava chamar de "lar".
Jogo o cigarro em cima do túmulo e piso nele, o apagando. Espero que ela não se importe com algo além de flores em cima do corpo dela.
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"Eu prefiro não voltar para a velha casa..."
FanfictionProvável coleção de momentos de Atlas antes de conhecer Mitchell (alguns depois, talvez)