como gelo fino.

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as emoções de hueningkai estão petrificadas por uma grossa camada de gelo seco, como o lago depois do chalé durante os invernos demasiadamente frios.

ele acredita que não deveria estar triste, seu próprio corpo é só uma casca oca que guarda um coração sem utilidade alguma além de bater preguiçosamente, antes mesmo de sua mente chegar a cogitar tal pensamento suicida, o órgão pulsante já dava sinais de cansaço extremo. os pensamentos só foram uma maneira de seu coração falar consigo, de confirmar o que já vinha sendo uma dúvida a muito tempo.

hueningkai precisava morrer.

no entanto, a confirmação veio pouco mais cedo acompanhada de uma lágrima traiçoeira que borrava a imagem inabalável de sua família ao molhar sua bochecha. quando o caixão de seu avô foi coberto de terra, seu coração chorou baixo o bastante para que sua mente não estranhasse.

funerais eram eventos raros, nunca aconteciam no mesmo ano, e sua família sempre se negava a chorar ao enterrar mais um ente querido quando acontecia. entretanto, hueningkai não pode deixar de se sentir genuinamente triste com a morte de seu avô, quando mais tarde naquele dia, o pensamento de que não o veria mais em seus aniversários o atingiu em cheio.

os invernos também não seram os mesmos, os presentes de natal ganhariam um novo significado melancólico demais para suportar. hueningkai ouvia dos mais velhos, que quando um parente morre em dezembro, o frio se torna mais intenso e congela a ponta dos dedos, mas ele sente que tem algo a adicionar. quando um parente morre em dezembro, o frio intenso congela tudo pela frente, as lágrimas que deveriam cair se tornam duras como gelo e se entalam na garganta.

foi isso que aconteceu.

dentro do chalé o ar era quentinho, como se zombasse de seu luto, as cores das madeiras escuras davam uma falsa sensação de acolhimento que o irritava profundamente. o cheiro de comida era familiar, como os jantares de ano novo na casa dos avós com toda a família reunida, quando seu prato é entregue, ele sente o gosto amargo em sua boca antes mesmo dela encostar em seus lábios.

seu avô se foi antes do natal, agora eram treze de dezembro, ele se foi dia doze. não foi ataque cardíaco, não foi nenhum acidente ou doença, foi só velhisse. os médicos disseram que ele morreu em seu tempo, que viveu tudo o que tinha para viver antes de dormir para sempre. ironicamente, seu avô havia ido se deitar quando seu coração parou de bater de repente.

não houve sofrimento, seu rosto pacífico se entregou ao sono antes de se despedir da vida ao caminhar para os braços da morte. hueningkai sabia que era melhor assim, mas seria egoísmo seu querer por um pouquinho mais de tempo?

noventa e cinco anos era muito tempo, ele ouviu seu pai dizer em algum momento, enquanto se esgueirava para dentro do chalé, onde todos comiam em silêncio, o tintinlar dos talheres contra a louça sendo o único som presente além do burburinho de vozes lá fora.

hueningkai não entendia como o tempo funcionava para os mais velhos, embora sua própria mente o enganasse ao pensar que dezessete anos era tempo demais as vezes. com o peito pesado e pensamentos abruptos, ele colocou um pouco de comida na boca.

como esperado, o gosto amargo desceu pela garganta, arranhando no processo, como se fossem arames ao invés de arroz. hueningkai comeu, comeu como se tivesse morrendo de fome, de repente era como se seu estômago estivesse vazio por dias e ele enfim encontrou comida, o gosto ruim não importava, o ardor ao descer pela garganta, como ela pesava ao chegar no estômago, nada importava. ele não sabia, mas funerais sempre esgotavam as pessoas.

depois que a comida acabou, ele escapou para fora antes que pudesse ser encontrado por algum de seus parentes. ele não queria vê-los, suas irmãs estavam o procurando por todos os lugares, seus pais estavam o chamado para cumprimentar os convidados e ele se sentia sufocado só de pensar em estar perto de sua avó.

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