É uma noite fria de sexta-feira, às 18:00, eu estou me arrumando para um jantar em família junto de minha esposa Mavelyn. Nós duas estamos casadas há três anos, mas minha família não sabe disso. Eles pensam que ela é apenas uma amiga, que se mudou para essa cidade e passou a morar comigo.
Eu me sinto mal por esconder isso deles, e me sinto mal por Mavelyn ter que guardar esse segredo. Nós nos amamos mais do que tudo nessa vida, e tudo que queremos é confessar nosso amor para o mundo. Mas minha família é um tanto conservadora, eu não posso imaginar o que eles fariam comigo se descobrissem que estou em um casamento lésbico há três anos; ou pior, o que eles fariam com Mavelyn se descobrissem que ela é minha esposa.
Já estamos dentro do carro, a caminho da casa dos meus pais. Estou dirigindo enquanto Mavelyn me observa com seus lindos olhos verdes. "Eu amo você" é o que ela diz em silêncio, e como resposta eu acaricio sua mão. Consigo sentir um leve tremor de nervosismo.
- Vai ficar tudo bem, Mavy. - Digo quebrando o silêncio e dando uma olhada rápida no rosto pálido de Mavelyn, que responde dando um sorriso gentil.☆
Se passaram 10 minutos de jantar, meus pais e meu irmão estão enchendo minha esposa de perguntas e olhares curiosos, e a mesma tenta responder cada uma sem gaguejar. Mavelyn nunca foi de falar muito, sempre quieta e tímida, diferente da minha família que adora jogar conversa fora. Eu observo-a se enrolar nas palavras tentando conversar, com suas bochechas vermelhas e um sorriso desajeitado no rosto, até ela me olhar com desespero nos olhos, me implorando por ajuda:
- Acho que já chega de perguntas né? Deixem Mavelyn respirar um pouco. - Digo olhando para minha amada que sorri aliviada.
- Nós só estamos animados Annie, você nunca trouxe suas amigas aqui em casa - meu pai diz enquanto bebe seu vinho.
- E agora nós sabemos o porquê - meu irmão mais novo, Danilo, debocha da situação, recebendo um tapa da minha mãe na cabeça e arrancando risadas altas de todos na mesa.
Depois que o jantar acabou ficamos um tempo conversando na sala de estar. A noite estava incrível, Mavelyn estava se dando bem com meus pais e estava se divertindo mais do que nunca, meu irmão não parava de tentar impressionar Mavelyn fazendo piadas ruins, e eu estava feliz por ter as pessoas que eu mais amo ao meu lado, se dando bem. Mas tudo que é bom dura pouco, a noite acaba quando minha mãe faz a seguinte pergunta:
- Então, Mavelyn, você namora?
Vejo o rosto de Mavelyn ficar mais pálido do que já é. Ela pensa por um segundo em busca de uma resposta adequada e depois olha para mim, nós nos encaramos por um tempinho, eu desvio meu olhar para o chão.
- Bom... - Mavelyn dá uma pausa, provavelmente pensando no que dizer - Não, eu não namoro.
Sua voz vacila quando diz isso. Mavelyn transparece seu desconforto, mas só eu percebo. Ela sorri forçadamente, tentando disfarçar.
- Ah, que bom então! Porque eu conheço alguns filhos solteiros das minhas amigas que precisam de uma esposa que nem você para colocá-los na linha - minhas mãos tremem quando minha mãe diz isso, não de nervoso, de raiva. Só de pensar na minha Mavy com outra pessoa meu coração dói, e Mavelyn percebe que estou me irritando:
- Na verdade, eu já estou interessada em uma pessoa no momento - suas palavras saem calmas porém confiantes, por um breve momento sua voz doce me acalma novamente.
- Ah deixa disso, tenho certeza que essa pessoa não chega aos pés desses homens, bem-sucedidos, e bonitos. Tenho certeza que, no momento que você ver um deles, vai ficar encantada.
Eu me irrito ainda mais com cada palavra que sai de sua boca, tenho vontade de gritar. Minha mãe sempre foi assim, tentando dar uma de cupido, empurrando minhas amigas pra homens que ela julga serem bons. Mavy parece irritada também, mas diferente de mim ela permanece com um sorriso no rosto.
Minha mãe continua falando, e minha esposa permanece quieta, mas sempre sorrindo:
- Você vai ver, eles são o sonho de toda mulher - Ela diz pegando no ombro de Mavelyn e abrindo um sorriso de canto - Também já tentei apresentar a Annie para alguns caras, só que ela não leva jeito com homem, mas com você vai ser diferente. Você é mais delicada.
- Não precisa disso senhora, eu já disse que estou interessada em alguém. - Sua voz sai mais firme dessa vez.
- Você ouviu a garota Marina, ela já está interessada em alguém - meu pai diz com sua tranquilidade de sempre, percebendo a irritação da Mavy.
- Mas Charlies, olha para ela! - minha mãe diz apontando para Mavy - Mavelyn é linda, eu não posso deixar ela ficar nos braços de qualquer um, ela precisa de um homem de verdade pra comandá-la.
Essa é a gota d'água pra eu surtar e mostrar minha raiva. Inconscientemente deixo as palavras escaparem da minha boca:
- Ela não está nos braços de qualquer um mãe! - Falo quase gritando enquanto me levanto rápido do sofá - ela está nos meus braços!
Todos da sala se assustam, inclusive Mavelyn.
- Como assim Annie? - Meu irmão diz confuso, e só aí eu percebo o que acabei de dizer.
Olho em volta e vejo Mavelyn olhando para mim surpresa, meus pais desentendidos e meu irmão raciocinando minha fala. Minha respiração fica pesada. Não sei o que fazer, que desculpa inventar. Eu quero falar para eles, quero falar que Mavelyn é minha esposa e que nós nos amamos. Quero falar que pretendo formar uma família com ela e viver uma vida feliz e tranquila como sempre planejamos, eu quero gritar pro mundo inteiro que quero ficar ao lado de Mavelyn pelo resto da minha vida.
- Annie, fale alguma coisa! - Minha mãe fala em um tom alto, também se levantando do sofá.
- A Mavelyn não é minha amiga, mãe - as palavras saem desajeitadas, evito olhar qualquer um nos olhos - ela é minha esposa, estamos casadas há três anos.
Essas palavras são o suficiente pra fazer minha mãe desabar no chão aos prantos, como se eu tivesse feito a pior coisa da minha vida.
- Eu não acredito, não acredito nisso - minha mãe começa a soluçar - eu te criei com tanto amor e carinho, e é assim que você retribui, Annie? Seguindo o caminho do inferno?
Um calor frio percorre meu corpo, eu olho pra Mavelyn e ela retribui por um segundo, demonstra aflição em seu rosto antes de desviar o olhar, provavelmente se culpa pelo que está acontecendo.
- Que decepção. - Dessa vez é meu irmão que se pronuncia com uma voz amarga, seu olhar de desprezo quase me parte em pedaços.
- Onde foi que nós erramos? - Nunca esperei sentir tanto desgosto vindo de meu pai.
- Isso é tudo culpa sua! - Minha mãe grita se levantando do chão e apontando para Mavelyn - Você influenciou minha filha pra ela se tornar essa coisa horrível, não é? Foi você! Foi tudo sua culpa, sua demonia!
- Eu não fiz nada! - A voz de Mavelyn sai trêmula - Eu amo a sua filha, senhora Marina!
- Não ama nada! - Minha mãe grita novamente quase avançando nela - Você só queria levar ela pra um mau caminho! Eu não aceito isso, não aceito esse relacionamento! Annie, você vai se divorciar dessa garota e virar uma pessoa normal!
- Claro que não, mãe! - Eu digo quase chorando - A Mavelyn é uma pessoa incrível, e eu amo ela mais do que já amei qualquer pessoa nesse mundo, eu quero ficar do lado dela! Se quiser culpar alguém, culpe a mim mesma por amar demais a minha esposa!
O brilho que passa nos olhos de Mavelyn é inexplicável, mas logo se desfaz quando meu pai começa a falar:
- Pare de dizer essas besteiras sem sentido! - sua voz transmite uma raiva nunca vista por mim antes - Você não ama ela, só está confusa! Esse seu amor que você diz ter não passa de carência. Você vai se divociar dela sim, eu não aceito esse relacionamento de vocês! Nós não aceitamos isso!
- Você não tem que aceitar nada. Quem tem que aceitar nosso relacionamento sou eu, eu sou uma adulta agora, tomo minhas próprias decisões, e minha decisão é ficar com a Mavelyn pelo resto da minha vida até o meu último suspiro. Por isso eu me casei com ela, porque eu a amo e quero tê-la do meu lado a todo momento! - cada palavra dita é um peso tirado de cima de mim, assumir em voz alta pra minha família que eu amo a Mavelyn, assumir que eu estou loucamente apaixonada por ela, assumir que eu quero amar ela até o infinito.
Quando eu decido falar mais, sou surpreendida por um tapa vindo da minha mãe:
- Essa não é você Annie, você não é assim! - minha mãe diz segurando meus ombros - Você ficou louca!
- Tem razão, mãe. Eu fiquei louca. Louca pela Mavy, louca pela ideia de amar ela - digo olhando para minha amada cujos olhos brilham novamente.
Mas o brilho se desfaz de novo ao olhar para minha família. A expressão deles é de tamanho desdém, repugnâcia, como se estivessem vendo duas aberrações, dois monstros terríveis.
- Já chega! - Meu pai berra - eu tenho nojo de vocês. Saiam da minha casa agora! Vocês não são bem vindas neste lugar. Annie, só volte aqui quando você estiver com a cabeça no lugar.
Encaro meus pais por uns segundos, olho para o meu irmão esperando que ele me defenda, mas ele apenas vira o rosto. Mavy toca meu braço como um sinal de que quer ir para casa. Seu toque ainda é gentil, mas suas mãos estão tremendo e sua expressão está séria, geralmente ela olharia nos meus olhos, mas seu rosto está virado para o chão dessa vez.
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O Vermelho é a Cor do Amor
RomanceAnnie é uma jovem de 24 anos que vive uma "vida dupla". Casada com sua amada esposa, Mavelyn, há três anos, Annie mantém esse relacionamento escondido de sua família conservadora. Elas nutrem um profundo amor uma pela outra e compartilham momentos e...