Coração em Jogo

21_ Tenho medo de viver

Ele era idiota? Ele só podia ser idiota. Era assim que ele perguntaria? Qual o problema de James? Eu, sinceramente, tive vontade de pegar a cara de James e enfiar naquele purê de batatas.

ㅡ Do que você ta falando, filho? ㅡ O pai de James perguntou depois de engasgar com o vinho.

ㅡ Eu acho que ele queria pedir pra namorar com ela, mas ta nervoso e se confundiu. ㅡ A mãe dele tentou explicar.

ㅡ Você quer namorar a Elena? Oh, meu Deus! ㅡ Minha mãe abriu um sorriso emocionado que denunciava demais o quanto ela queria que eu arrumasse um namorado.

ㅡ Vocês mal se conhecem. ㅡ Meu pai encarou James.

ㅡ Ele não explicou direito, pai. ㅡ Falei entre dentes, olhando para James. ㅡ Acontece que inventaram um boato sobre nós na escola.

ㅡ Que boato? Quem inventou? Eu processo todos eles! ㅡ Minha mãe começou a se indignar.

ㅡ Não se preocupa com isso, tia. Adolescente é uma raça desocupada que fala de todo mundo. Se fosse processar alguém lá por fofoca, teria que processar a escola toda. ㅡ Maria bebeu o último gole de seu refrigerante. ㅡ Acontece que estão inventando que o James e a Elena ficaram, o que não é verdade, mas ninguém quer saber da verdade. E vocês devem saber, porque o machismo está na sociedade a anos, que quando duas pessoas que mal se conhecem ficam, o cara é chamado de pegador e garanhão e a garota de fácil. E é isso que a escola está falando deles. O James ontem inventou pra todo mundo que ele e a Elena são namorados, para pararem de falar bobagens. Porque além de falarem que a Elena é fácil, estão falando que ele a usou e jogou fora. ㅡ Maria deu uma pausa para respirar. ㅡ A gente podia ter tentado insistir na verdade que ninguém acreditaria, ou poderia inventar uma mentira aceitável.

ㅡ Quisemos falar com vocês porque uma hora ou outra vocês iriam acabar ouvindo de alguém e não queremos nenhum mal entendido. ㅡ Continuei.

ㅡ A gente sabe que essa situação toda é ridícula e entenderemos se não concordarem, mas fiz isso unicamente pela sua filha e para que ela possa ficar tranquila sem estar na boca de todo mundo. ㅡ James finalizou.

Um silêncio tomou a sala de jantar. Ninguém sequer tocava na comida e todos pareciam esperar uma resposta do meu pai.

ㅡ Eu não sei o que dizer. Se fosse um pedido de namoro de verdade seria mais fácil. Por quanto tempo vocês vão manter essa mentira? ㅡ Meu pai perguntou.

ㅡ A gente ainda não sabe, mas não vai ser por muito tempo. É só até o povo esquecer de mim. ㅡ Revirei os olhos.

ㅡ Olha só, eu não quero a minha filha mal falada, não acho que essa seja a melhor solução, mas vocês já são quase de maior, então sabem o que fazer. Só que vamos colocar umas regras nisso tudo. Não é porque vai fingir namoro que pode fazer de tudo, não.

ㅡ Pai! ㅡ Resmunguei. ㅡ A gente nem se gosta. Não precisa se preocupar com isso.

ㅡ Claro! Eu e a sua filha? ㅡ James forçou uma careta de nojo que me forçou a dar um chute em sua perna por debaixo da mesa.

ㅡ Bom, então está tudo resolvido. Podemos comer agora? ㅡ Maria pediu e todos concordaram.

Para meu azar, minha mãe avisou para eles quais eram os pratos apimentados e o idiota do James não comeu nenhum deles, então nem pude me divertir um pouco.

Depois do almoço, dos pais conversando sobre trabalho e os adultos se sentarem na sala para conversar novamente, fui mostrar para James a quadra que tinha atrás da minha casa.

ㅡ Cadê a Maria? ㅡ Perguntei andando pelo gramado.

ㅡ Disse que queria ir no banheiro e foi pra casa. Ela não vai no banheiro na casa dos outros. ㅡ James respondeu e parou de andar quando chegamos a entrada da quadra. ㅡ Você tem uma quadra em casa?

ㅡ Meu pai achou que seria uma boa surpresa. ㅡ Pisei na quadra e fui até o meio, onde me sentei no chão. ㅡ Mas, não usei muito.

ㅡ Por que? Você não gostou? ㅡ Ele se sentou no chão comigo.

ㅡ Óbvio que eu gostei. É que eu acho que eu esqueço. Por exemplo, nós temos uma piscina que eu ainda não entrei, porque esqueço da existência. Me lembrei hoje, mas vocês já estavam vindo pra cá. Nós temos uma televisão enorme na sala que eu mal assisti, tem uma banheira incrível no meu banheiro que eu ainda não usei. Acho que ainda não me acostumei com essa vida. Eu nunca tive nada disso e de repente eu tenho tudo o que eu quiser.

ㅡ É realmente um grande problema. Enorme. ㅡ Ele debochou e eu empurrei seu ombro.

ㅡ Você não entenderia. ㅡ Encarei o céu. ㅡ As vezes eu tenho medo de viver. Em Puerto Vallarta eu nem amigos tinha. Mal saía de casa e dormia a tarde inteira. Estou fazendo mais coisas aqui porque minha mãe pediu que eu me aventurasse. Mas ainda tenho medo de viver e percebo isso nessas pequenas coisas.

ㅡ Por que você acha que sente isso? O que te deixa tão assustada? ㅡ Olhei nos olhos de James e me deixei levar pela lembrança.

Antes...

ㅡ Vamos embora, Isa! Por favor. ㅡ Implorei novamente.

ㅡ Vive um pouco, Elena! Você vai morrer se tentar se divertir? ㅡ Isabel não diria aquilo se não estivesse bêbada.

A música era alta demais. As gotas grossas de chuva pingando no teto da casa eram altas demais. As trovoadas e relâmpagos lá fora eram altos demais.

ㅡ Eu quero viver! Me divertir! Vamos! ㅡ Ela abriu a porta de trás da casa e saiu correndo pelo campo de grama verde, agora escuro devido a noite.

Algumas pessoas saíram com ela e começaram a tomar banho de chuva. Mas, Isabel se afastou demais.

ㅡ ISABEL!!!

Depois...

Voltei a mim com um suspiro e abaixei a cabeça.

ㅡ Você está bem? Elena? ㅡ James se aproximou e tocou o meu ombro para que eu erguesse a cabeça e o olhasse.

ㅡ Eu to bem. ㅡ Puxei o ar com o nariz tentando evitar que as lágrimas descessem. ㅡ E por que eu que to te contando essas coisas?

ㅡ Porque eu sou irresistível e você me adora. ㅡ Ele sorriu de maneira convencida.

ㅡ Você é um imbecil, isso sim. Por que falou com meu pai daquele jeito? Bateu a cabeça?

ㅡ Eu fiquei nervoso. Quis falar logo de uma vez. Se fosse pra ele me matar, que fosse sem rodeios. ㅡ James deu com os ombros.

ㅡ Eu não confio mais em você pra dar notícias pra ninguém. ㅡ Balancei a cabeça.

ㅡ James? ㅡ Ouvimos a voz do pai dele e olhamos para trás. Ele estava na porta da cozinha. ㅡ Nós já vamos.

ㅡ To indo. ㅡ Nós dois nos levantamos. ㅡ A gente se vê amanhã, então. Não vai de motorista, eu te dou uma carona. Se for pra fingir, vamos fazer direito.

ㅡ Eu não tinha pensado no fato de que vou ter que aguentar por mais tempo ainda. Dá tempo de desistir? ㅡ Fiz uma careta.

ㅡ Dá. Se perguntarem, eu digo que terminamos porque você era grudenta demais.

ㅡ Sai da minha casa, James. ㅡ Ele riu e virou as costas, indo na direção de seu pai.

ㅡ Elena? ㅡ Ele se virou para mim novamente. ㅡ Não sei o que aconteceu com você, mas acho que devia se dar uma chance e viver um pouco. A gente só vive uma vez e você merece viver uma vida que valha a pena. ㅡ Suas palavras me fizeram parar de sorrir e permanecer parada ali mesmo depois dele ter ido embora.

•••
Continua...