Nunca antes Órion se sentira tão inseguro em uma caçada quanto agora. Sua vitória definiria seu destino, mas as derrotas que sofrera contra as outras bestas abalavam sua confiança. E havia mais. Ele enfrentaria uma Harpia, uma criatura monstruosa e que as histórias diziam serem malígnas, sangnárias e cheias de poderes ocultos. Não seria uma tarefa fácil.
Chegou à cidade de Alárias, onde as pessoas o olharam com curiosidade cautelosa. Ele precisava de informações, então foi até a feira, e comprou algumas maçãs e puxou conversa com o comerciante.
- As histórias que ouvi sobre as cidades da região são verdadeiras? - Órion perguntou enquanto comia uma maçã.
O comerciante o olhou com desaprovação.
- Como posso dizer? Não sei que histórias anda ouvindo.
- Ouvi de caçadores que há uma bruxa nos arredores. Que mora em uma torre em uma colina e que faz feitiços sombrios - Órion sabia que cometer erros no relato faria o comerciante se sentir mais inclinado a corrigi-lo.
- Hum. Seus amigos caçadores deviam ser mais precisos. Não é apenas uma bruxa. Todos sabem que é uma Harpia. Criatura odiosa. Poucos foram os que viram Ocípite, mas muitos foram os que desapareceram à noite. Ela os leva e come sua carne, é o que se diz. Usa seu sangue para fazer feitiços, e quando consegue por as mãos em uma virgem, pode-se ouvir suas risadas nas florestas e suas canções medonhas.
- É possivel que o reinado de terror dela tenha acabado - Órion respondeu - Quando suas matas estiverem seguras, lembre-se do nome de Órion e olhe para a lua e agradeça à deusa Ártemis.
O vendedor o olhou por um tempo, tentando decidir se o caçador era louco. Depois, gargalhou na cara de Órion.
- Está bem, Órion, vou me lembrar do nome - e voltou a gargalha, como se nunca tivesse escutado nada mais engraçado.
Antigamente Órion teria amaldiçoado, e seguido cheio de confiança, tensionando trazer a cabeça da harpia como trofeu e mostrar ao comerciante. Talvez até exigisse que ele se curvasse e pedisse desculpas. Mas agora não tinha mais tanta confiança assim.
Deixou a cidade para trás e seguiu para o local onde sabia que encontraria sua inimiga.
Foi necessário ainda mais um dia andando entre florestas desconhecidas, até que avistou a colina, e pôde ver a torre em seu cume. Uma construção lúgubre, cheia de plantas trepadeiras e musgo, como se estivesse abandonada. O ar parecia mais gelado ao pé da colina, e naquela noite não havia sons de corujas; não se via rapozas e nem morcegos ou vagalumes. A floresta parecia morta.
Do meio das árvores, Órion observava a torre, tentando decidir qual seria o melhor plano de ação, quando ouviu uma voz atrás de si.
- Pode mesmo fazer isso? - quando Órion virou-se, sobresaltado, foi Ártemis quem viu.
- Ártemis, o que está fazendo aqui?
- Vim vê-lo. O que mais?
- Mas eu ainda não consegui a cabeça de Ocípite. Mas vou conseguir, e Apolo não dirá mais nada contra nossa união.
Ártemis sorriu, mas para Órion, o sorriso pareceu diferente.
- Isso não é mais necessário - ela caminhou na direção dele - Apolo não vai mais se colocar entre nós.
- Não vai? Por que? O que o fez mudar?
- Isso importa? O que importa é que sou sua.
Ártemis o abraçou, e ao contrário do toque quente que Órion estava acostumado, sentiu o frio de seus braços. Mas antes que pudesse entender o que estava acoontecendo, sentiu os dentes se cravarem em seu pescoço, afiados como navallhas.
Órion a empurrou para longe de si, levantando a lança e pondo a mão no pescoço, que sangrava assustadoramente.
- O que você...
- Fique calmo querido, vamos ter muito que conversar depois que você acordar.
Órion sentiu as pernas tremerem; seus olhos pesaram, e sem que pudesse fazer nada, caiu no chão, perdendo a conciencia.
Seus sentidos voltaram aos poucos, e quando abriu os olhos se viu acorrentado em uma parede fria de pedra de de um aposento lúgubre da torre. Havia pouca iluminação. Nada além umas poucas velas, e pela janela, a noite estava escura em um céu cheio de nuvens negras.
A Harpia estava virada de costas para ele, trabalhando em sua mesa, esmagando folhas secas para suas poções. Ela era uma criatura asquerosa. Sua pele era como couro velho e seco; as pernas como as de aves de rapina, e de seus braços brotavam penas escuras. Quando ela ouviu o tilintar das correntes, virou-se para Órion.
- Então, finalmente despertou. Gostou de meu pequeno truque?
- Abominação! Como ousou tomar a forma de uma criatura tão pura?
- Não ponha a culpa em mim! Você viu aquela que seu coração mais ansiava, não escolhi. Não leio mentes, sabia?
- É melhor você me deixar ir, ou vai pagar por isso.
- Claro, claro. E assim que eu o libertar você irá embora e me deixará em paz. Acho que não. Eu o teria matado ali mesmo, na floresta escura, mas senti o gosto de seu sangue. Ah, sim. Sangue antigo. O sangue de gigantes. Faz ideia do quão raros são os gigantes? e mais ainda! Quão difícil é conseguir um pouco? - ela pegou uma faca e se aproximou de Órion - Nunca tive nem mesmo um frasco desse precioso líquido, e agora você me trouxe alguns litros tão carinhosamente - ela fez um longo corte no peito de Órion, fazendo o sangue verter e derramar-se dentro de um jarro - Ah, sim! Você não imagina as possibilidades que seu sangue trará para minhas poções.
Órion lutou contra as correntes, mas elas eram muito fortes, e o mantiveram preso na parede.
- Poupe suas energias, ainda tenho muito sangue para coletar e não quero fazer bagunça.
Ela misturou o sangue com suas ervas e outros ingredientes, observando os efeitos que só eram perseptíveis para seus olhos de bruxa.
- Ah, sim! Isso é perfeito. Acho melhor eu coletar tudo de uma vez - Ocípite arrastou um grande caldeirão e o colocou à frente de Órion - Levante a cabeça.
Órion não obedeceu.
- É melhor que seja assim. Um corte rápido e tudo estará acabado para você. Muitos não tiveram essa sorte comigo.
Como Órion se recusou a obedecer, a Harpia, com alguma magia obscura, empurrou sua cabeça para trás sem ao menos tocar nele, e aproximou-se com a faca em punho.
Foi quando um vento forte soprou, deslocando as nuvens e descobrindo a lua. A luz entrou pela janela e banhou os braceletes de Órion. O descendente dos gigantes sentiu a força inundar seu corpo. Puxou as correntes e rompeu seus elos. Ocípite se assutou, recuando enquanto rentava manter Órion afastado com seu poder. Mas a força de Órion era tanta, que avançou sobre ela, socando-a com seus punhos poderosos e esmagando seus dentes. Órion pegou a faca e caiu sobre a Harpia, contemplando seu olhar cheio de terror e incredulidade.
- Não se preocupe, logo tudo estará acabado - e cravou a faca em seu peito.
Ocípite se contorseu, gritou, amaldiçoou e morreu. Quando a vida deixou a Hárpia, Órion pôde relaxar e respirar. Olhou para a lua, sendindo-se reconfortado.
- Obrigado, Ártemis - disse enquanto via as nuvens voltarem a cobrir o astro celeste.
Com a faca da própriaOcípite cortou a cabeça da Harpia, levantou-se e deixou a torre. Agora só precisava reencontrar os deuses e tomar a mão da mulher que amava.
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Mitologia Grega - Ártemis e Órion
Короткий рассказuma das histórias mais bonitas da mitologia grega. Que conta sobre o romance improvável entre uma deusa casta e um descendente de gigantes.