Capítulo Único

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Eu gostaria de ter sentido a merecida paz quando o apito final soou, mas ainda havia muito a fazer. Para a sexta rodada do Brasileirão, nós recebemos o Corinthians em casa. Jogos em casa eram, normalmente, mais trabalhosos para mim e para a minha equipe, porque era mais oportunidade de produzir conteúdo para a FlaTV. O sonho de ser repórter esportiva estava sendo realizado, sim. O problema é que, naquele dia em questão, o meu foco estava do lado oposto ao Flamengo.

Decorar quando quem ia jogar contra a gente não era muito a minha praia, embora fizesse parte do meu trabalho. Se eu lembrasse que o jogo seria contra o Corinthians, a chance de inventar uma desculpa e entregar um atestado médico era alta. Eu não queria aquele reencontro. Minha nova meta de vida, sabendo que ele estava de volta ao Brasil, era evitar todo e qualquer tipo de proximidade – o que era quase impossível, visto que nossas profissões foram as responsáveis por nos colocar no mesmo ambiente em um primeiro lugar.

E sabe quando tudo conspira contra você? Aquele sábado foi um desses dias. Minha família, às vezes, aparecia nos jogos. Sábado, quatro horas da tarde, no Rio... Era a situação perfeita. Consegui os ingressos para meus pais e meu irmão caçula, avisei minha chefe que iria de carro com a minha família, trabalhei normalmente até chegarmos à beira do campo.

Não fazia a mínima ideia se Pedro lembrava de mim. Por tudo o que aconteceu, eu acreditava que não. Eu esperava que não. Isso não me impediu de praticamente me esconder o jogo inteiro até o apito final. Assim que fui autorizada, recolhi todo o meu material de trabalho e atravessei os corredores do estádio tão rápido quanto possível até chegar no estacionamento.

– Pra que essa pressa, Juliana? – Minha mãe ergueu uma sobrancelha ao olhar para trás e me ver jogando minha bolsa de qualquer jeito na mala do carro.

– Lembrei de um negócio que eu preciso ver ainda hoje.

– São sete horas da noite de um sábado, o que você ainda tem que ver?

– Coisa do trabalho. – Usei a melhor desculpa possível enquanto entrava no banco de trás e afivelava o meu cinto de segurança. – Vamos, pai?

– Você não tá de folga amanhã?

– Tô, mas é outra coisa.

– Que coisa?

Mães...

– É um projeto novo.

– Eles têm que respeitar as leis trabalhistas, filha, não dá pra você trabalhar sempre e...

Ela foi interrompida pelo barulho de algumas pancadas na lateria do carro. Olhei para a direita em pânico, dando de cara com Leonardo ofegando.

– Oi, dona Joana. A Juju tá com vocês?

Nem deixei minha mãe responder. Apertei o botão para baixar o vidro. Minha dupla de trabalho parecia aliviada ao me ver.

– Oi, Juju! Tão te chamando lá dentro, acho que querem fazer uma reunião em cima da hora com você. Fizeram uma comigo também.

Eu revirei os olhos.

– Mas eu tô indo pra casa, meus pais vão me dar carona.

– Eu vim de carro também, te deixo na porta do seu prédio.

– A Marisa já tinha até me liberado.

Um carro buzinou atrás da gente. Meu pai estava, de fato, fechando a passagem. Ele me olhou pelo retrovisor e, sem dizer nada, me deu um ultimato. Meus ombros murcharam enquanto eu desafivelava o cinto.

– Pai, abre a mala do carro, por favor.

– Você vai ficar então, filha?

– Vou, mãe. – Resmunguei, saindo do carro e indo até a janela dela para deixar um beijo em sua bochecha. – Eu mando mensagem quando chegar em casa.

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