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Estou me sentindo péssima assim que enfio a chave na fechadura da porta dos fundos da casa

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Estou me sentindo péssima assim que enfio a chave na fechadura da porta dos fundos da casa. Prometi a mim mesma que não voltaria. E cá estou eu.

Empurro a porta com cuidado, me certificando de que o metal não arranhe o piso e acabe acordando alguém.

Espio a cozinha, antes de entrar totalmente. Está tudo escuro. Solto um suspiro de alívio por isso. Não que minha tia se importe de eu passar a noite fora ou não, na maioria das vezes ela nem percebe que estamos no mesmo cômodo. Mas caso ela estivesse acordada, seria um tanto constrangedor explicar o motivo que me fez sair de casa.

Ela provavelmente riria e diria que não sirvo nem mesmo para acabar com minha própria vida.

Eu ignoraria e iria para o quarto. Depois de muito tempo, acabei me acostumando com esse tipo de comentário.

Fecho a porta com o máximo de cautela possível. Se fizer muita força, a madeira pode estalar, mas se for cautelosa demais, a porta pode enroscar no batente e teremos um problemão para conseguirmos abri-la depois.

Moramos em uma casa minúscula, com uma estrutura antiga e fiação ruim. O que mais temos aqui são gambiarras. A porta de entrada não abre, tem um buraco no lugar da fechadura. No banheiro, a divisão entre o chuveiro e a pia é feita de sacos plásticos, a pia de granito está quebrada a séculos, e o cano está visivelmente precisando de um concerto. O teto é coberto por mofo, e tenho certeza absoluta de que temos uma família de ratos morando no sótão.

Apenas eu e minha tia trabalhamos, e o dinheiro é pouco, tudo o que conseguimos é usado para despesas pessoais e comida. Se fôssemos nos preocupar com todos os problemas da casa, viveríamos em função apenas disso.

Deixo as chaves no gancho da parede e caminho lentamente até o corredor. Dou passinhos tímidos, fazendo o possível para que meus tênis não avisem que cheguei.

Uma luz fraca vinda da sala me chama a atenção. Estico o pescoço e quando me aproximo um pouco mais, consigo ouvir o som baixinho vindo da televisão.

Reviro os olhos com a imagem grotesca de Lionel dormindo no sofá, vestindo uma camiseta velha e uma calça moletom rasgada.
Engulo a bile que me sobe a garganta ao perceber as manchas brancas meio amareladas na base de suas coxas.

Ele é um verme.

Quando finalmente chego ao meu quarto, sinto um peso enorme em meu peito. Está uma bagunça. Roupas estão jogadas para todos os lados e gavetas estão semiabertas. Me envergonho ao admitir que minha cabeça é essa mesma zona.

Me jogo na cama, exausta demais para tirar os sapatos ou até mesmo escovar os dentes.

—Puta que pariu. — Murmuro olhando para o teto.

Eu ainda estou aqui.

Não acredito que ainda estou viva.

•••

—FISCHER! — Ouço meu chefe chamar e viro minha cabeça no mesmo instante. — A mesa oito precisa ser atendida, porra. Anda logo.

Aperto a mandíbula e ajeito meu avental.

—Estou indo. — Digo entredentes.

Trabalho em uma lanchonete pequena de Los Angeles. Não é o melhor trabalho do mundo, mas é suportável. Faço de tudo aqui, atendo clientes, cuido do caixa, lavo alguns pratos, e algumas vezes faço o favor de limpar o chão para ganhar uns 20 dólares a mais no fim do expediente.

—Aqui... — Sam, minha colega de trabalho, estica um bloco de notas e uma caneta em minha direção. — Eles estão bem ali.

Ela aponta disfarçadamente para o lado direito do lugar. Parecem haver dois homens sentados ali.

Suspiro e agradeço Sam antes de sair na direção deles.

Me aproximo dos rapazes e paro ao lado da mesa.

—Bom dia, já pensaram no que vão pedir? — Cumprimento segurando prontamente a caneta encima do bloco de notas.

Um dos homens é loiro... não, loiro não, ele tem um cabelo platinado. Ele é todo tatuado e tem piercings no rosto.

Não sei o motivo, mas ele não me parece estranho.

O rapaz sentado a sua frente tem um cabelo curto e bem penteado. Parece ser malhado, mas não exageradamente. Ambos são bonitos.

—Hm... — O platinado lambe os lábios antes de analisar o cardápio. — Vocês tem alguma coisa sem glúten?

Fecho os olhos e puxo o ar com força.

Já percebi que esse é o amigo fresco.

—Temos, claro. — Forço um sorriso. — Uma torta de cogumelos... sem glúten.

Ele entorta o canto da boca assentindo lentamente.

—Pode ser... Georg?

O outro rapaz está me encarando. Tem um sorriso fraco brincando em seus lábios. Não sei a razão disso, e de certa forma, me sinto incomodada com isso.

—Eu quero um café preto. — Ele diz.

Limpo a garganta e anoto os pedidos rapidamente.

—Hm, mais alguma coisa? — Tento manter uma postura firme, mas o tal Georg continua com o mesmo olhar intenso em mim desde que apareci em sua visão.

—Não, obrigado. — O platinado diz com um pequeno sorriso.

Assinto e caminho até o balcão, onde Sam está lutando para desenhar um coração na espuma do café de algum cliente.

—Uma torta de cogumelos e um café preto, Joe. — Bato no mármore da janela de divisão entre nós e a cozinha.

—É para já.

Me aproximo de Sam e solto uma risadinha quando ela suspira exasperada por errar outra vez a arte na bebida.

—Eu nunca vou aprender a fazer essa merda. — Ela diz largando a caneca com leite vaporizado no balcão.

—Você injetou ar demais. — Explico. — Desse jeito o coração não vai ficar moldado.

Ela arqueia uma sobrancelha e então bate na testa dramaticamente.

—Você devia fazer isso mais vezes. — Ela afirma. — É sério, você é ótima nisso.

Dou de ombros e olho disfarçadamente para a mesa oito. Eles estão conversando, parecem animados, todos tem um estilo tão único. Com certeza devem marcar presença em todo o lugar que vão.

Me distraio com o som do sino da porta de entrada.

Viro a cabeça e sinto meu queixo caindo aos poucos. Porque quem acabou de entrar nessa lanchonete, é simplesmente, o cara misterioso que evitou que eu cometesse um suicídio na noite passada.

sua mente obscura - Tom KaulitzOnde histórias criam vida. Descubra agora