31 de Outubro
Ouvi os passos da minha mãe se aproximando do meu quarto, e como eu sei quais são os passos da minha mãe? Bem, quando se tem pais conservadores você desenvolve certas habilidades com o passar dos anos.
Ela abriu a porta e já foi entrando sem nem bater ou perguntar como sempre faz.
— Você não saiu do quarto o dia inteiro minha filha
Ela usava seu vestido vermelho florido de sempre e seus cabelos curtos e castanhos claros estavam penteados para trás.
Ignoro o fato de que ela continua errando de propósito meus pronomes ou citando meu nome morto mesmo que isso me incomode, afinal a escolha de me aceitar um garoto trans é dela, e eu não posso mudar seus pensamentos de uma hora para outra.
Por mais que eu deseje seu apoio, já fazem alguns anos que me assumi e ela nunca demonstrou nenhum sinal de aceitação, eu sempre soube que não poderia contar com a minha família em geral, são pessoas muito religiosas e difíceis de lidar.
Para eles ser diferente é ser anormal.
Vai contra os princípios divinos.
E para o azar deles eu tenho muito orgulho de ser eu mesmo.
Me acostumei com os olhares de desgosto e desprezo desde pequeno, no começo da minha autodescoberta tentei negar quem eu sou, porém cansei de me sentir inferior e resolvi ouvir meu coração ao invés de ouvir as vozes da minha cabeça.
E preciso confessar que eu nunca fui tão feliz.
— Aproveitei que não está tendo aula para ler
Podia sentir seu olhar sobre mim enquanto passava mais uma página de coroa de sombras.
— Se arruma, você vai até a igreja comigo
Ela estava prestes a sair do quarto quando deu meia volta e apontou para mim
— E cobre o pulso, tenho vergonha de alguém ver essas cicatrizes
E ela saiu do quarto enquanto murmurava.
Finalmente soltei um suspiro que estava segurando e fui me arrumar, afinal eu não tinha muita escolha.
Fui até o meu guarda-roupa e peguei a primeira camiseta preta de mangas longas que achei. Não que tivessem poucas, eu basicamente vivo de preto o TEMPO TODO.
Eu já estava com o binder e uma calça cargo, então só vesti a camiseta, calcei o tênis e arrumei minha bolsa com tudo que eu precisava.
Logo eu estava na sala onde minha mãe já me esperava.
Percebo que estava vestida com uma calça social preta e sua blusa social rosa, é claro que ela quer causar uma boa impressão.
Eu não estava muito animado para ir até a igreja, ninguém lá gosta muito de mim e também eu não faço parte da religião católica. Eu pratico bruxaria natural, que é uma prática de vida e não uma religião. Mas isso não importa muito para quem é intolerante.
Saímos de casa e mesmo sabendo dos meus problemas de saúde minha mãe andava rápido e a minha frente. Eu já estava com falta de ar, então retirei minha bombinha do bolso e a usei duas vezes, como o médico indicou acelerando os passos para alcançar minha progenitora.
Havia muita gente na praça da igreja devido ao fato de hoje ser o último dia de festa em homenagem ao padroeiro da cidade e é claro que o rei não deixaria uma data como essa passar em branco.
A catedral estava enfeitada por dentro e por fora, seus vitrais coloridos refletiam as luzes fazendo a praça parecer um verdadeiro arco-íris.
Haviam barraquinhas de lanches ao redor de toda a praça e brinquedos para as criancinhas mais novas.
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Lua nova
RomanceEu preferia somente poder ser eu mesmo sem precisar me preocupar com que minhas ações sejam a próxima fofoca da cidade. SanyVille é realmente aconchegante, mas as pessoas daqui não.