Não que você se importe.

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Coloquei todos os presentes em sacos de lixo outra vez, me desculpando com cada um deles por fazer algo assim, colocá-los no escuro, no fundo de um guarda roupas velho e empoeirado mais uma vez. Prometi que quando tudo passasse, que pelúcias voltassem a ser somente pelúcias e fotos somente memórias que não causam dor, os traria de volta.

Os guardei com cuidado, pra que nada se amassasse ou pra que não ficassem apertados. Os dei as costas assim como fiz com você. Doeu do mesmo jeito.

Tenho passado os dias de maneira difícil, tenho comido menos e dormido demais, a bagunça se acumula e os pensamentos se escondem, como morcegos a luz do alvorecer. Mas eles sempre voltam.

E eu estou sempre cansada demais pra pensar.

No fim do dia é como se algo faltasse, e sempre falta. O quintal é grande demais, a casa é muito silenciosa, tem muita comida na geladeira e eu preciso jogar fora antes que passe a feder. Os pensamentos se acalmam quando a noite vem, porque é quando eu fecho os olhos, me viro para a parede da cama, não olho mais pra trás. Me forço a dormir até que seja noite de novo, o dia amanhece, as pessoas chegam, vão embora, as janelas permanecem fechadas e tudo permanece em silêncio. Quase como se eu não existisse mais.

E pouco a pouco eu me desfaço, me despedaço de tudo aquilo que eu não sou, mas que passei a ser pra viver com você. Choro por cada palavra cruel, me desmancho no seu silêncio, na sua frieza e no seu desprezo. Guardo as minhas palavras só pra mim, mantenho o silêncio que prometi, respiro fundo e adormeço outra vez. Mas dessa vez ciente que não é mais com o pesar de alguém que tanto quis ficar, mas com a tranquilidade de alguém que aceitou o fim.

E os seus processos.
E todo o seu começo, meio e fim.

A saudade existe, a dor é real, o medo é intrínseco e o vazio é imprescindível. No final da noite não tenho mais a quem contar as experiências que eu vivi, os sentimentos que senti, como foi viver aquele dia. Quando lugares legais aparecem eu não posso mais pensar na sua companhia, no fim de tudo eu me sinto especialmente sozinha, mas você me conhece.

Eu sempre estive sozinha.

Sempre fui condenada a falar com as paredes porque elas me ouvem sem reclamar, a andar descalça pela casa durante a madrugada como um fantasma que procura por algo que já se esqueceu o que era, mas que procura mesmo assim. Sempre estive condenada, e talvez me sinta melhor assim, no escuro, em silêncio, sozinha – ou comigo mesma.

Todos os fins são trágicos e especialmente me sinto arrasada, destruída, como se a parte boa dos meus dias tivesse sido arrancada e agora estou de volta na mesma melancolia, aquela da qual você me resgatou. Mas todas as histórias, e falo como uma falecida escritora das minhas favoritas, precisam disso. Precisam de começos incertos, cheios de dúvidas, altos e baixos e memórias tão lindas e tão especiais mas tão, tão pequenas comparadas aos desgastes e então, o fim.

Nas minhas histórias costumam ser fúnebres, bruscos, daqueles que todo tipo de leitor odeia. Costuma terminar em cinzas, em pó, em nada, e você se pergunta: como algo que um dia foi tanto, pode simplesmente desaparecer?

E é tão simples quando você entende, é tão fácil quando você aceita, que o que desaparece dá lugar a novas coisas e um modo de vida dá lugar a outro.

E que de modo geral, somos criaturas que vivemos para desaparecer.

Eu era só mais um rosto, e vou voltar a ser. Você era só mais um alguém, e vai voltar a ser.

Os dias vão se arrastar, a saudade vai doer, tudo vai ser especialmente difícil porque é como as coisas são quando escolhemos amar e, mesmo assim, partir.

E não que você se importe, mas eu amei você. Amei você mesmo com todos os motivos pra não amar, amei você mesmo quando você me feria, amei você mesmo quando me deixava sozinha e em silêncio. Amei você na sua dificuldade e nos seus momentos bons, te acolhi, te ouvi, te respeitei, te entendi, tive a paciência que me pediu e insisti. Persisti e pedi tanto porque só eu e Deus sabemos o quanto eu te quis. Meu Deus, como eu te quis...

Mas mais do que isso, te quero livre. Te quero feliz e completamente livre pra fazer as escolhas que deseja fazer, te quero crescendo dia após dia, realizando seus sonhos, vivendo o que você sonhou porque você não merece menos do que isso.

E eu vou sentir saudades.
E mesmo que você não acredite, você vai ver, que ainda que de longe eu vou ser aquela que permanece até o fim, e que realmente te ama mesmo quando as cortinas se fecham, as luzes se apagam, as portas se trancam e tudo desaparece.

E eu sei que você não vai me amar como eu vou amar você, assim como não foi capaz de me amar quando ninguém me queria por perto. E está tudo bem, eu quero que seja feliz.

E que saiba, mesmo quando seus dias forem escuros e parecer que o mundo te odeia, que na mesma casa, no mesmo endereço, a mesma pessoa de sempre ainda ama você e ainda está orgulhosa. Mesmo que não nos vejamos mais, mesmo que façam anos, é uma promessa que eu costumo cumprir.

Eu vou amar você pra sempre.

E vou sentir falta de te dizer que tenho dificuldade em ser eu mesma, pra que aí você possa dizer que vai ficar tudo bem.

Vou sentir falta de ser o seu abraço, o seu porto seguro e de ser o seu lar. O seu lugar, de ser onde você sempre pode voltar.

E pode apostar, eu também vou sentir saudades, eu também vou chorar sozinha.

Eu quero que se lembre, é difícil encontrar quem somos e descobrir quem queremos ser, mas que você sempre saiba, que independente do caminho que escolha, independente da vida que viva, independente de quanto tempo passe, eu ainda vou estar orgulhosa de você.

E sabe, não que você se importe, mas uma parte de mim ainda sonha. Ainda espera que você volte correndo e que diga que me ama, que o tempo fecha todas as feridas, e que nem por um segundo me esqueceu. Parte de mim sonha com os romances que cresci assistindo nas telas ou lendo nos livros, parte de mim quer ser tão amada por você – e somente por você – que ainda sonha os mesmos sonhos, ainda repete as mesmas palavras, ainda pensa, ainda espera. Tenho medo de esperar pra sempre, esperar todos os dias por alguém que não vai voltar, por um amor que não vou ter.

Eu me acostumei com seu silêncio, com as palavras que você nunca disse, com a sua frieza, com a sua indiferença. Me acostumei a me sentir tão pequena quanto um grão de mostarda e a me questionar, dia após dia, se em algum momento você realmente me amou.
E mesmo apesar de tudo isso, sentir a sua falta. Esperar que você volte correndo porque sabe que eu não vou voltar, que retire tudo que já disse de ruim, que eu possa fazer o mesmo, que consertamo-nos e vivamos juntos tudo aquilo que sonhamos pra nós dois.

Mas é irreal, eu sequer sei se um dia você me amou.
E amando ou não, já me disse que não me quer mais.
E é por isso que eu te deixo livre.

E apesar de tudo, eu quero que você saiba,
que eu te amo assim como amo a minha família.

Como amo o sorriso das minhas crianças e os olhos sempre compreensivos do meu pai. Como amo o meu irmão mesmo sabendo que amo sozinha, como amo porque preciso amar. Porque só sei amar.

E acredito nesse amor, porque estou cheia dele.

E vou continuar te amando, assim como eu amo as tulipas vermelhas,

Assim como você amava me mostrar o que é ser feliz...




















(palavras escritas na sua conversa mas que eu não tive coragem de enviar. não que você se importe. e não que eu quisesse, mas eu já fui embora).

eu te amo pra sempre.

O Amor de Um EscritorOnde histórias criam vida. Descubra agora