Apesar do quentinho da lareira e do cansaço, o príncipe dormiu muito pouco. Talvez os múltiplos roncos dos guardas tivessem atrapalhado o sono ou, talvez, a preocupação daquela fuga tão perigosa.
De todo modo, acordou com a boca seca e ficou à procura de um rosto conhecido para servi-lo com uma caneca de água. A primeira pessoa a aparecer foi Halthora. O vulto azul da mulher empurrou levemente a porta e entrou a perambular no recinto.
O rapaz mal pôde notá-la à luz da fogueira, então se levantou e a chamou baixinho.
"Halthora?"
"Björn!" — respondeu a mulher, com uma voz estranha.
"Pode me ajudar? Preciso beber um pouco de água."
A mulher fica parada por um instante, sem saber o que fazer. Parece que o cansaço também havia atingido a sábia feiticeira, como o pó finalmente cobre uma mobília.
"Vem!" — respondeu ela, por fim, a apontar para a porta — "Venha ver, venha ver."
Confiante de que ele a seguiria, Halthora saiu. Björn achou a situação um pouco estranha, mas o que não havia sido estranho desde o dia em que foi raptado? Sem escolhas mais simples, decidiu sair e o ver o que encontraria.
Ela não tinha ido longe. Estava encostada em um grande arbusto, a olhar para o riacho. O azul do céu já estava desbotando, mas ainda era possível enxergar o chão e a trilha ao redor da cabana.
"Onde está indo, rapaz?" — quis saber um guarda.
Björn limitou-se a apontar para a mulher de azul.
"Ah, está com feiticeira. Então está mais seguro que todo mundo. Se precisar de algo, apenas chame."
O príncipe assentiu com a cabeça e foi até a verdadeira mentora de todo aquele bando. Assim que se aproximou, ela virou a cabeça para o pasto ao lado, voltando a dizer:
"Venha ver, Björn. Venha ver."
"A senhora está bem?"
Em resposta, a mulher apanhou sua mão com gentileza e o puxou através do pasto. Apesar de toda a sujeira, das feridas, do intenso descabelamento, Halthora era uma bela mulher. Certamente seu pai, o rei, ficaria satisfeito em ter uma feiticeira tão sábia e poderosa para aconselhá-lo.
Quando o príncipe deu por si, haviam atravessado o pasto e estavam à sombra de um grande pinheiro. Finalmente, a mulher virou seu rosto e o observou com muita ternura. O rapaz não sabia o que esperar. Não havia nenhum vaso com água ou qualquer outra coisa em especial que ela pudesse lhe mostrar naquele instante.
Até aquele instante, porque a feiticeira começou a se despir sem a menor cerimônia. O príncipe ficou paralisado com sua formosura rústica, mas também com o fato de tudo ser muito repentino e inusitado.
Depois que ficou nua, ela se aproximou e abraçou o rapaz. Sem saber o que dizer ou fazer, Björn deixou que suas mãos escorregassem por uma pele surpreendentemente áspera, repleta de cicatrizes.
Eles se beijaram.
Björn sentiu um calor palpitante no pescoço. Pensou que estivesse a sair do próprio corpo. Entretanto, ao afastar o rosto da feiticeira, percebeu que o seu tapa-olho estava no lado esquerdo, em vez do direito, cujo olho estava intacto.
Ela percebeu o incômodo e o jogou no chão. Após uma doce gargalhada, retirou o tapa-olho, jogou-se sobre ele e observou-o com olhos verdes alucinados.
Não era Halthora, era uma estranha e não estava só.
Num piscar de olhos, outros estranhos com peles de lobo apareceram com suas lanças toscas. O rapaz tentou sair debaixo da mulher, mas ela segurava suas mãos com alguma força. Quando estava quase livre, um estranho bateu com o cabo da lança em sua cabeça.
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Möjrakitan - A Saga das Três Irmãs
FantasíaNo coração da Suécia, envolta pela imensidão dos bosques nórdicos, três irmãs órfãs cresceram sob os olhares atentos do povo de Örebro, que as acolheu. Halthora, Ingrid e Jorun foram encontradas à beira do bosque, criadas por diferentes famílias daq...