Crucificado

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Há mais de três mil anos, antes da explosão esverdeada que nos transformou em pedra, eu nunca pensei que estaria fazendo sulfa em um período de meio ano para salvar S/N de uma doença tão simples e catastrófica num mundo onde a ciência ainda não tinha saído do natural.

O tratamento de Ruri foi feito por uma semana, gradativamente a sua melhora foi perceptível e esse era o motivo de eu estar correndo com um frasco na mão para a cabana que S/N estava me esperando.

A esperança que eu sentia era extrema mesmo que duvidosa. A regra é clara, fé e esperanças não são confiáveis na ciência, mas como um humano tolo que se agarrou em um homem crucificado, eu me agarrei ao frasco que levava em mãos e rezei para que o homem crucificado ajudasse minha amada.

Rezei para que ela melhorasse o quanto antes para poder sorrir. Eu precisava do sorriso dela como um vampiro precisa de sangue. O diagnostico dela piorou nos últimos dias. Passou a dormir mais, tossir mais e os intervalos de sua respiração durante a noite se tornaram mais fracos e longos.

Entrei em casa e sorri ao ver ela sentada, olhando pela janela algo que tinha a chamado atenção. Me sentei ao lado dela e passei a preparar o medicamento para dar a ela junto de um copo de água da qual fiz questão de ferver duas vezes para que não restasse bactérias.

- Ruri está melhor, então você também vai ficar. - Garanti a ajudando a engolir o medicamento.

Ela engoliu com dificuldade. Tossiu. Sorriu e me olhou.

Aqueles olhos são meu abismo.

- Bem, se não der certo...

- Não vem fazer piada com isso, S/N. - Pedi segurando o rosto magro dela. - Eu não quero nem pensar no que fazer caso não dê certo.

Os olhos dela me encararam e eu a abracei. Senti seu corpo gélido contra o meu, ouvi sua respiração leve, acariciei as mexas que se encaracolavam quando não estavam arrumados, a pele exposta que, em qualquer outra ocasião, eu pensaria em pecados carnais que poderiam ser feitos em diferentes posições, mas agora, eu só conseguia pensar na probabilidade de não poder curá-la e o seu corpo se decompor abaixo do solo.

Eu não aguentaria.

Eu não aguentaria perdê-la.

Já foi um inferno passar tanto tempo longe dela, me agarrando na chance de ela estar bem, sofrendo durante noites com a saudade dolorosa. Eu não aguentaria passar essa saudade sabendo que não a veria.

Eu não sou tão forte quanto ela pensa. Queria ser, mas entre ser forte, esquecer o amor que me domina por inteiro e sofrer por ela. Prefiro sofrer por ela.

S/N dormiu deitada contra meu peito. Tapei com a manta de pele de algum animal, acariciei seu corpo, não conseguindo me acalmar para poder dormir, minha mente não desligando só pensando no pior.

Abracei minha amada com força e, noite após noite, minha esperança crescia com cada pequena melhora. Cada sorriso mais leve, cada noite em que ela não tossia, cada vez que ela comia mais, cada vez que ela levantava quando eu chagava em casa.

Ela estava ficando melhor e meu coração se acalmando.

O dia estava um pouco mais puxado com a insistência sobre problemas do vilarejo, assuntos do reino da ciência e uma dor muscular em meus pescoço que pareceu sumir quando sentia dedos finos massageando meu pescoço e descendo para minhas costas.

- Bom dia, querido. - Murmurou a mulher que tanto amo em meu ouvido. - Devia ter me esperado, eu te acompanhava.

- Você parecia dormir tão bem, não quis estragar. - Disse a puxando para meus braços, beijei o rosto dela sentindo a maciez de sua carne contra minha boca. - Certeza que está melhor para andar por aí?

 - Eu tive um bom médico, mas então, o que está te incomodando tanto?

 - Ruri pediu para ir vê-la no vilarejo.

- Vamos lá então. - Disse ela me puxando.

- Espera, S/N.

Segurei o corpo da garota e a abracei. Senti nossos corpo se encaixarem perfeitamente, o calor dela me enchendo de coragem para enfrentar um leão, o aroma doce, cabelos únicos amarrados por uma fita de tecido, olhei seu rosto tão perfeito e beijei os lábios macios com gosto doce de morango.

- Hm, o que você está aprontando? - Perguntou ela em um riso.

- Eu te amo, S/N. Você não tem ideia do quanto. - Disse segurando em minhas mãos o rosto dela como a joia preciosa que era.

A minha joia mais preciosa e de maior valor.

Você vai nos salvar, meu doutorOnde histórias criam vida. Descubra agora