Te vi (pela última vez)|SaTzu

1|Capítulo único

Mas se você estiver muito bêbado para dirigir, e se a música for a certa, ela talvez deixe você ficar, mas só por uma noite. E se ela segurar a sua mão e te arrastar para longe, talvez ela queira um beijo antes que essa música acabe.

—Lovers Rock, TV Girl

Eu te vi no mercado.

Depois de dez anos separadas, eu te vi comprando morangos. Você tinha os cabelos soltos e estavam pretos, como você nunca costumava deixá-los, eu gostava quando eles eram loiros.

Eu te vi. E você tinha um olhar cansado, sereno, mas maduro, você parecia outra pessoa. Ainda a mesma, mas diferente.

Você demorou para me notar, eu estava bem na sua frente, do outro lado do balcão de frutas, com uma laranja na mão e a cesta cheia de besteiras. Eu nunca fui muito saudável, você sempre dizia.

Quando seus olhos se ergueram e você me encarou, eu te encarei de volta. Você me olhou por pelo menos cinco segundos, tentando raciocinar e lembrar de onde me conhecia. E, na minha cabeça, passam todas as nossas memórias juntas, de quando te conheci até o momento em que pediu para terminar comigo, naquela quinta-feira à noite.

Desde aquele dia, nunca mais gostei das quintas.

— Tzuyu? — Sua voz era diferente, a mesma entonação que costumava me chamar, mas diferente. Você sorriu como se tivesse encontrando uma antiga amiga que não via há tempos.

— Sana — Eu devolvo o sorriso.

Sana.

— Faz tempo, não é? — Você brinca, deixando escapar um sorriso nasal, como se eu não fosse perceber a melancolia explicita em sua voz, a saudade espanca meu peito.

— Já estava na hora de nos encontrarmos em um supermercado. — Brinco de volta.

Você sorri, olha para a bandeja de morangos nas mãos e assente com a cabeça, devagar e calmamente. A laranja continua em minhas mãos e eu quero dizer mais coisas, mas nada além da risada dissipa de meus lábios.

— Você está bonita. — aponto para os seus cabelos. Você passa os dedos pelos fios negros e os observa por um momento.

— Já estava na hora de abandonar o loiro.

— Você ficaria linda em qualquer cor.

Você ainda sorri. E então dá de ombros e coloca os morangos na cesta, agarrando outra bandeja.

— Bom, qualquer outra cor dá muito trabalho de manter tendo dois filhos pequenos dentro de casa.

Filhos, você tinha filhos.

Eu pisco enquanto olho para suas mãos, tentando enxergar uma aliança ou qualquer coisa que me dissesse que você é casada, não tinha nada lá.

— Quantos anos eles têm?

— Cinco. — Responde alegremente — São gêmeos, um menino e uma menina.

Você demorou cinco anos para construir uma família depois que terminou comigo. Eu nunca consegui te esquecer.

— Bom, aposto que são lindos iguais a você. — Era um flerte idiota que te fez sorrir assim como fazia na nossa adolescência.

— Obrigada, Tzu.

A laranja na minha mão já pesa, como se me lembrasse que estamos em um supermercado, na seção de frutas e que outras pessoas provavelmente estão nos olhando.

— E você? — Seu chamado me desperta das laranjas e eu te olho — Não teve filhos?

— Nenhum. — respondo — Acho que era muita responsabilidade para mim.