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Minhas pernas estão me matando

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Minhas pernas estão me matando. Passei o dia todo em pé andando de um lado para o outro tentando fazer o necessário para atender todos os clientes que se enfiavam dentro da lanchonete. E puta merda, acho que nunca trabalhei tanto em toda minha vida.

Como Tom roubou meu horário de almoço, acabei tendo que adiar o compromisso que havia lhe dito que tinha. E por incrível que pareça, isso não era uma desculpa para evitá-lo. Eu precisava ter comprado os remédios da minha tia há seis horas atrás. Mas não o fiz, e é possível que eu não encontre nenhuma farmácia aberta a essa hora. Pelo menos nenhuma que esteja aberta num raio de três quilômetros. Não sei se consigo andar mais do que isso.

Minha tia foi diagnosticada com Parkinson há dois anos. A descoberta dessa doença foi surpreendente. Suzanne nunca demonstrou sintomas e o fato de que ninguém na família havia tido isso, fez com que tudo fosse ainda mais chocante.

Bom, depois do diagnóstico, suas horas de trabalho diminuíram. E, automaticamente, isso significava que eu precisaria começar a trabalhar em dobro.

E é isso que tenho feito desde então.

Sozinha.

Quando tudo aconteceu, por um momento pensei que Lionel criaria juízo e me ajudaria com tudo. Mas porra, estamos falando de um desgraçado e desempregado, que rouba o dinheiro da esposa para apostar em jogos de azar.

O dia que descobrimos o que ele fazia às escuras, foi também o dia que minha tia o expulsou de casa. Mas no meio da madrugada ele voltou, bêbado e implorando por perdão, segurando uma garrafa barata de whiskey. Suzanne pirou e então eles gritaram um com o outro antes de passarem o resto da noite transando.

Foi definitivamente a pior noite de sono que já tive.

Na maioria das vezes, sinto vontade de gritar e chorar e dizer que nada disso deveria ser problema meu.

Mas eu não sou assim.

Eu ajudo as pessoas, mesmo que elas não mereçam.

Mesmo sabendo que elas não me ajudariam.

Perco a linha de raciocínio quando ouço o som de buzinas e... um grito?

Olho para o lado esquerdo e vejo uma mulher gritando para alguém que está no meio de uma avenida. Ela está segurando a mão de uma criança mas olha aterrorizada para frente. Me esgueiro mais para trás e arregalo os olhos quando vejo outra criança ali. Uma garotinha que deve ter no máximo quatro anos. Ela está na linha vazia entre os carros que estão passando, ela está assustada e não faz ideia de como sair dali. E não importa que movimento a menina faça, seja para frente ou para trás, irão atropela-lá se não a tirarem dali.

Meu coração começa a bater milhares de vezes mais rápido. Meu sangue começa a esfriar e sinto minha barriga borbulhar antes de eu sair correndo para o meio da avenida.

—NÃO SE MEXA! — Grito, fazendo a garota levantar o rosto para mim. — POR FAVOR, NÃO SE MEXA!

Olho para os lados rapidamente e corro até ela antes que outro carro passe. Ouço o som dos motores rangendo ao nosso redor, e sinto minhas mãos suarem quando seguro o pulso minúsculo da menina. Olho para baixo e vejo que há lágrimas nos olhos dela, mas ela está tão amedrontada que não encontra forças para deixar o choro lhe escapar da garganta.

—Vai ficar tudo bem, não se solte de mim. — Seguro seu braço com força, a olhando bem nos olhos.

—Eu quero minha mamãe... — Ouço sua voz fina e desesperada implorar e sinto meu coração apertar ainda mais.

Com cuidado, me agacho e digo com firmeza para ela:

—Eu vou te levar até ela. Eu prometo.

Olho para frente e vejo a mãe da garota com uma mão na boca, enquanto a outra continua impedindo o outro filho de também sair correndo.

Merda.

Se algum carro parar agora, os que estão atrás vão começar a se trombar e um acidente em conjunto vai acontecer. Mas se eles não frearem pelo menos um pouco, nós não teríamos tempo de passar para o outro lado e então nós duas seríamos atropeladas.

Respiro fundo.

Tudo bem. Vai dar certo.

Espero um minuto antes de estender a mão para frente, fazendo sinal para que o carro que está vindo saiba que preciso passar.

Ele entende o recado. Pois não para, mas desacelera o bastante para que eu consiga puxar a menina para o meu colo. Seguro a nuca dela até que seu rosto esteja enterrado em meu pescoço e seus braços bem apertados ao meu redor.

Olho para a frente e saio correndo para o outro lado da avenida.

Meus pés estão dormentes quando chego lá. Meu corpo está tão fraco que tenho que deixar a criança no chão para poder me sentar na calçada.

Meu estômago está doendo e meus ouvidos estão zumbindo. É como se tudo fosse um borrão. A mãe da menina a beijando descontroladamente, alguns carros abaixando as janelas para ver o que está acontecendo, o outro filho da mulher fazendo um carinho nas minhas costas. Tudo parece irreal.

Até eu sentir uma mão no meu ombro, me puxando de volta à realidade.

—Muito obrigada, querida. — A mulher se ajoelha na minha frente e me puxa para um abraço apertado.

Não consigo reagir de imediato. Meus braços não parecem me obedecer.

—Não tem... de quê. — Dou alguns tapinhas sem jeito em suas costas.

Ela desmancha o abraço e me olha com os olhos vermelhos e inchados.

—Muito obrigada mesmo. — Ela diz enquanto se levanta.

Ela faz questão de segurar a mão da filha com força e segurar o outro filho na mesma intensidade.

Mas antes que ela possa se virar para ir embora, o garoto se solta do aperto da mãe e vem correndo até mim.

Me assusto quando sinto o impacto de seus bracinhos contra meu pescoço.

—Obrigado por salvar minha irmãzinha. — Ele diz contra meu ombro, me apertando fortemente.

Sinto como se meu coração tivesse congelado dentro do peito.

—Você é uma super-heroína, moça. — Ele se afasta de mim e abre um sorriso lindo, deixando a mostra uma janelinha.

Minha garganta se fecha quando ouço isso.

Se ele soubesse...

—Muito obrigada, mocinho. — Sorrio fraco para ele. — Agora vá. E por favor, não solte a mão da sua mãe em momento algum. — Aponto para ele em alerta.

O garoto assente e acena para mim antes de sair correndo até estar perto da mãe novamente.

Enquanto os observo se afastarem, sinto meu sangue voltar a circular e minha pressão começar a voltar ao normal.

Jogo a cabeça para trás e respiro fundo, torcendo para não vomitar agora que a adrenalina deixou meu corpo.

Abro os olhos e vejo as estrelas brilhando intensamente.

Fico ali sentada, por pelo menos uns cinco minutos, até sentir que meu coração se acalmou um pouco.

—Por favor... pare de me fazer passar por isso... — Suplico para o céu em um sussurro.

Ele sabe do que estou falando.

sua mente obscura - Tom KaulitzOnde histórias criam vida. Descubra agora