Capítulo 1

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O frio intenso parecia querer despedaçar o teto velho de telhas de barro nas nossas cabeças, pois vinha acompanhado de um vento forte de arrepiar qualquer corpo mal vestido.

Busquei minha mãe pela pequena casa, a encontrei perto do fogão a lenha, onde havia uma panela completamente cheia de sopa, na sua última fase, quase pronta para ser servida.

Seu corpo magro como o meu dentro de roupas surradas e finas, eram esquentados com o calor do fogo o qual ela se mantinha perto, mexendo na sopa.

O único casaco de pele quentinho que possuíamos estava sobre meus ombros. Eu daria a ela quando ela se sentasse a pequena mesa junto comigo. Por hora, me aferrava a ele como se fosse a salvação da minha vida.

Com o capuz cobrindo meus cabelos castanhos escuros, sentia ainda minhas bochechas queimando. O frio intenso passava pelas fissuras na madeira desgastada da porta estreita. Parecia soprar diretamente no meu rosto.

Por isso, deixei apenas os olhos verdes esmeraldas de fora, vendo o imenso tapete branco cobrindo onde antes era um campo coberto por capim alto e flores. Era tudo preenchido com lindo cantar de pássaros e farfalhar de folhas das copas das árvores, agora era apenas o assoviar e soprar da tempestade de neve lá fora.

- Toma, esquente seu corpo por dentro. - ouvi minha mãe me chamando atenção com o prato fundo porcelana cheio de sopa fervente.

Deixei minha atenção recair sobre aquilo, ela se sentou ao meu lado com a sua sopa. Passei o casaco para ela com insistência por suas recusas e só parei quando ela aceitou.

Ainda conseguia lembrar do seu rosto ainda jovem mas cansado. Sua expressão preocupada, fingindo sempre estar bem.

Até que eles irromperam pela porta, trazendo o frio e a neve para dentro, e acabando com nossas sopas intocadas, pois o vento carregado soprou sobre elas e sobre o fogo, cobrindo tudo.

Homens do rei, soldados vestidos em roupas escuras e bem agasalhados. Mal pude vê-los, jogaram um sobretudo em cima de mim me enrolando nele, puxaram-me sem perguntas ou respostas.

Ouvia apenas minha mãe gritando:

- Vocês não podem fazer isso! Deixe-a! Ela é minha!

- Ele á quer no castelo. - ouvi um dos homens responder.

- Ela não é dele. - a voz da minha mãe vacilou.

Eu não entendi, até o ouvir dizer...

- Não minta mulher! Ela é filha do rei e você sabe bem!

Foi aí que as coisas se encaixaram. Eu vivia reclusa com ela o tempo todo, sempre vivemos naquela casa minúscula no meio do nada, e da forma em que ela gritava tentando me tirar do soldado que me tinha agora sobre os ombros como um saco de batata, bem enrolada naquele sobretudo não muito quente. Percebi que, "meu pai" não devia ser um homem bom. Não poderia querer nada de bom comigo.

E era assim... mesmo fazendo movimentos bruscos tentando sair daquilo, não tinha força o suficiente, não havia comido e não era páreo para os braços fortes que prendiam minhas pernas sobre o pano do casaco.

Não ouvir mais nada, além do que parecia ser uma agressão contra minha mãe, para abafar seus gritos e acabar com o que consideravam rebeldia diante da ordem do rei.

"Eu não posso ser filha do rei." Era uma mentira que eu queria acreditar.

Depois de ser posta sobre o lombo do cavalo, eu ouvi o soldado que me carregava antes, alertar:

- Se mova, e cairá do cavalo sendo pisoteada por ele.

Não era o que eu pretendia, pois indo até o rei talvez ele percebesse ser um engano e assim me devolveria para minha mãe, quem estava desamparada, sozinha e machucada.

Se caísse do cavalo e fosse pisoteada, não teria chances de sobreviver na neve e nem com os machucados provocados pela na ocasião.

- Você agora vai no chão. - ouvi outro dizer. Aquele que me tinha por perto reclamou em seguida.

- Perderemos mais tempo se eu for de pé.

- Então prefere perder as mãos ou outra parte do corpo? Porque se for com ela em cima do cavalo, e o rei ou o Senhor da Guerra souber que encostou nela. Vai perder a vida e não o tempo. - escutei aquele perto de mim resmungar baixinho enquanto começou a caminhar puxando as rédeas na frente.

Depois da longa viagem nada agradável, ouvindo apenas o assoviar do vento e soprar dos cavalos, em especial o que estava em cima, fui tirada do mesmo jeito que fui posta antes, colocada sobre o ombro de alguém.

- Para onde estão me levando? - perguntei soando muito abafado e baixo para ser atendida.

- Continue quieta! - o soldado aconselhou.

Tentei respirar o mais confortável que podia, mas estava começando a sentir nauseas por estar de ponta cabeça.

Passos e mais passos, o som mudou segundos depois, entre muitos soou passos sobre um piso mais limpo e liso, o qual ecoava cada avanço pesado dos soldados.

Então fui tirada de cima do homem e colocada de pé com dificuldade, pois estava parecendo um grande rolo de tecido antes do manuseio de um alfaiate.

- Aqui está ela, sua majestade. - apresentaram-me de forma estranha.

- Tirem-na daí. Quero ver como se parece! - a voz mais velha e pomposa soou a uma certa distância.

Senti ser desenrolada enquanto alguém se preparava para me segurar. Logo os meus olhos viram uma imensa sala, banhada de peças ornamentadas em ouro, e chão liso de lajeados claros.

No fundo dela estava uma cadeira acolchoada, da cor vermelha com um homem de aparência de cinquenta anos, olhos grandes e escuros, nariz torto e lábios escondidos por uma barba rala apenas por baixo e grande por cima.

Sobrancelhas finas e rosto igual. Ele não se parecia em nada comigo. Mas eu sabia ser o tal rei, pela coroa de ouro sobre a cabeça.

Ele se levantou, me encarando assim como o encarei. Eu o analisei da mesma forma que estava sendo analisada.

- Ela é igual a mãe. - falou enquanto se aproximava.

Não recuei. Haviam mais soldados de todos os lados e eu ainda tinha esperança dele está errado sobre a paternidade.

Quando se aproximou o suficiente, ele me dirigiu a palavra:

- Você é minha filha.

Abri a boca para contestar, mas soube pelo seu olhar reprovador que não era tudo que tinha para dizer.

- E será preparada para casar com o rei Tauron, hoje à noite.

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⏰ Última atualização: Jun 26 ⏰

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