Tem vaga?

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Mais tarde, Edmundo foi procurar seus amigos. Isso era comum. Encontravam-se e


gastavam horas jogando conversa fora.


- A dona era louca, Calixto. Falando sério!


- Larga mão de ser mentiroso, Arnaldão.


- Quero ficar sem comer três dias se estou inventando.


O ponto de encontro era sempre uma passagem subterrânea de pedestres sob a


avenida. Era uma galeria repleta de mapas envelhecidos da cidade e fotos com obras da


Prefeitura. Pouca gente passava por ah. Um guardinha de bigodinho branco vigiava o lugar.


Mas não se importava com os garotos. Faziam-lhe companhia.


- A dona tinha pavão, tinha jabuti, tinha arara - enumerou Arnaldão, continuando a


contar seu caso. - Por que não ia ter uma jaguatirica?


- E a jaguatirica não comeu os outros bichos?


- Estava acorrentada, meu filho!


Calixto fazia manobras em seu skate, enquanto falava. João Jó tocava uma melodia triste


no seu pente. Arnaldão mantinha-se fleumático e grave, mesmo quando mentia.


Edmundo estava encostado na parede. De cabeça baixa, braços cruzados. Sem dizer


nada. Raramente ele era visto assim. Por isso seus amigos estranharam. Sem interromper o


que estavam fazendo, um acenou para o outro com a cabeça, buscando descobrir se alguém


sabia o que estava se passando. Ninguém tinha idéia.


- A dona me fez entrar - retomou Arnaldão, depois de um certo tempo. - Disse que


eu tinha chegado em boa hora; que o almoço tinha acabado de sair. Perguntou: "Está


servido?" Claro que eu estava... A comida era demais! Repeti cinco vezes! - Estava sem fome? - perguntou Calixto fazendo uma curva radical sobre o skate.


- Tinha forrado o estômago no Rei das Iguarias.


- Comeu o que no meio dessa bicharada? Anta assada?


- Não. Macaco. Quer dizer, cérebro de macaco.


- Sei... - respondeu Calixto com ar incrédulo.


- A mesa tinha um buraco no meio. A dona enfiava a cabeça do macaco por baixo. Aí


cortava a tampa do crânio do bicho. Depois...


- Vai pra casa, Arnaldão! - disse Calixto, encerrando a conversa. .


Arnaldão percebeu que não estava agradando. Antes de ficar quieto de uma vez,


murmurou baixinho:


- Vou levar vocês lá. Tem uma porção de chimpanzé empalhado na entrada!


Os boys ficaram em silêncio. Olhando para Edmundo. Apreensivos. O que se passava


com o companheiro? Aproximaram-se. Calixto foi o primeiro:


- Aí, Ed... A fim de trocar um lero?


- Deixa quieto - respondeu Edmundo, evitando contar o que estava acontecendo.


- A gente não pode ajudar? - quis saber Jó.


- Não esquenta.


- Foi aquele babaca do filho do seu patrão, não foi? - intuiu Arnaldão.


- Nada...


- Meu! - imprecou Calixto. - Vou colar o brinco desse pandeiro!


- Eugênio tá fora dessa.


- Quem foi, então?


- Meu pai - disse Edmundo e se sentou num degrau, apoiando o queixo sobre os


joelhos.


Novamente a turma toda ficou em silêncio. Entreolharam-se. Ficaram sem saber o que


fazer por algum tempo. Depois:


- Conta - pediu Calixto.

Office-boy em apuros - Bosco Brasil Onde histórias criam vida. Descubra agora