Capítulo 5

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Chegando em casa eu me tranquei dentro do quarto. Eu morava sozinha no Rio, num apartamento no Botafogo e pela primeira vez estava me sentindo absurdamente sozinha, quando eu falo sozinha, não quero dizer que estava sem a companhia de ninguém, na verdade eu estava muito bem acompanhada virtualmente. Eu me sentia sozinha metaforicamente, não havia ninguém para me amparar. Eu não poderia falar disso com ninguém.

Mas ao mesmo tempo essa sensação era estranha, porque eu me sentia esquisitamente compreendida.

Alguém era louco o suficiente para se interessar pela vida dos outros e invadir seus computadores e celulares.

Fiquei olhando o meu celular por um tempo, vendo mensagens chegando e pensando que ele poderia estar vendo. E ele provavelmente estava, e com toda certeza do mundo dando boas risadas do meu desespero.

Resolvi então deixar um recado pra ele no bloco de notas.

"Dante, eu preciso falar com você."

Não deu nem dois minutos e meu telefone começou a tocar. Número restrito. Provavelmente era ele.

- Vai se redimir? – Confesso que fiquei com raiva dele de novo por conta do que ele tinha acabado de dizer, mas logo respirei fundo e vi que não valia a pena discutir com um possível aliado.

Eu tinha um plano.

- Vim barganhar. – Eu pude jurar que consegui ver um sorriso se formar nos lábios dele.

- Estou interessado em barganhar, Doutora Estranho. – Confesso que mesmo estando tensa e com raiva eu não pude deixar de sorrir, afinal ele pegou uma referência em algo que eu fiz totalmente sem querer.

- Você sai do meu celular, hackeia a garota que eu odeio e assim eu te dou algo que você quer muito. Nada sexual por favor, não trabalho com esse tipo de troca.

- O que eu mais quero? Fica tranquila, eu não sou o tipo de maníaco que é sexual. Não quero sexo, quero caos. – Acenei positivamente com a cabeça e achei graça. No final de contas, todos como nós querem o caos né?

- Ok. – Ele respirou fundo, pude ouvir sua respiração do outro lado da linha, ele estava pensando em formas de me torturar com certeza. Eu estava só esperando o pior.

- Não estranhe o que eu vou pedir agora, mas você pode ser minha namorada? – Sua voz foi mansa. Aquilo me deixou sem reação. Totalmente sem reação. Dante era um cara bonito, bem bonito, e tinha os olhos mais brilhantes que eu já vi na minha vida.

Então, por qual motivo ele teria que pedir numa troca de favores esse tipo de coisa.

- Posso, mas... Por quê? – Pude ver que quando perguntei isso acabaei deixando-o nervoso, algo me disse que aquele era o ponto fraco dele.

- Bem... – Ele soltou um suspiro longo e profundo. – Eu sou impulsivo demais, sempre acabo sabendo demais da vida da pretendente antes mesmo dela falar algo. Sou pior que você mil vezes, porque como eu falei, eu tenho conhecimento em hacking. Além disso, minha família é extremamente tradicional, com isso eles acabam achando que eu tenho algum tipo de problema por ter 21 anos e nunca ter tido uma namorada. E isso leva a reações ruins.

"Talvez você de fato tenha um problema, Dante", pensei sabendo que meu cérebro ele ainda era incapaz de hackear.

- Ah... – Minha boca era incapaz de expressar reação. Não sabia o que dizer pra ele pra prometer que estava tudo bem e que seria uma boa.

Tudo bem que na primeira vez que eu o vi eu quis de verdade dar uns beijos naquela boca carnuda, sempre fui meio pirada em caras meio estranhos, mas a verdade, é que agora que eu o conhecia de fato, eu estava com um pouco de medo dele.

Ele sabia tudo de mim.

Será que ele tinha ficado a fim de mim? Penso isso porque ele hackeou meu celular pra saber tudo sobre mim.

Suspeito, mas naquele momento eu só queria minha privacidade de volta.

- Tudo bem. – Eu disse, ainda em choque com o que eu mesma estava fazendo. Não sei o que incluía esse negócio de ser namorada dele, mas ele mesmo prometeu nada sexual então eu ia confiar na palavra dele.

Eu dificilmente confiava nas pessoas, principalmente quando elas não eram pessoas com presença virtual.

- Ótimo! Podemos nos encontrar amanhã na faculdade? – Suspirei baixinho pra ele não ouvir e disse:

- Podemos.

- Ótimo, vou desligar aqui. – Ele parecia radiante. Fiquei até com pena dele, mas antes ele precisava me garantir que cumpriria a sua parte do combinado.

- Ei! Espera aí! Antes você tem que cumprir sua parte do combinado.

- Bom, qual foi a última vez que você colocou seu celular pra carregar? – Não entendi muito bem o motivo daquela pergunta, mas a respondi.

- É, umas duas horas atrás.

- Em quanto está a bateria?

- Hm, acho que uns 25%... – Disse eu tirando o celular da orelha e olhando no visor.

- Descarregou rápido né? – Eu não tinha notado que nos últimos dias meu celular estava descarregando rápido.

Que desatenta! Logo eu que uso tanto ele.

- Sim.

- Não é bateria viciada, é porque eu estou acessando. Coloque seu celular para carregar e reinicie. A próxima carga vai durar mais tempo. Estou me desconectando agora do seu IP.

- Obrigada. E sobre a menina?

- Amanhã na faculdade traçamos nosso plano de ataque.

- Ok.

E desligou. Enquanto eu tentava digerir tudo que tinha acontecido eu fui lá e fiz o que ele falou pra fazer. Depois com o telefone ligado não tive nem o tesão de fuxicar outra pessoa.

Me joguei na cama e fiquei encarando o teto.

Até sexta-feira passada só eu sabia do meu mundo secreto de saber tudo da vida de todo mundo e sempre passar despercebida. Mas agora mais alguém sabia, alguém que era pior que eu, que ia além da exposição online e invadia a privacidade alheia.

A gente se completava de um jeito psicopata.

Boa parte de um trabalho de stalker era com dedução, juntando as partes, vendo de um lado e vendo do outro, juntando essas partes e criando uma história.

Era uma missão que exigia inteligência.

Era como se eu e Dante fôssemos a CIA. Eu entrava com a inteligência e ele com a técnica.

Tá, mas isso não é meio errado?

Ah que se dane eu tinha raiva da Jessica mesmo.

Minha antiga psicóloga, a que eu tive quando era adolescente, antes da completamente despreparada na qual eu estava mais cedo, me contou uma forma legal que eu tinha pra organizar meus sentimentos em listas.

Eu gostava de fazer isso quando eu me sentia confusa sobre algo ser certo ou errado ou qualquer outra coisa do tipo.

Peguei um caderninho e comecei a anotar.

Motivos pelos quais eu odeio Jessica Bittencourt:

Ela é bonita demais pra existir no mesmo espaço que eu.

Ela é asquerosa.

Ela é machista e racista.

Ela sempre me tratou mal quando estudávamos na mesma escola

Ela é uma burguesa safada

Cinco motivos eram suficientes? Li novamente tudo que escrevi, respirei fundo. Guardei o caderninho e fui viver um pouco offline, esperando o próximo dia.

***

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Stalker - ATO I [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora