Capítulo Único

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Para Killua, a época de chuva sempre foi algo agradável. Gostava da pequena brisa que poderia usar de desculpa para usar uma coberta o dia todo, gostava do calor de um bom, e estupidamente doce, chocolate quente, gostava da facilidade que é estar estiloso em dias frios e gostava, principalmente, das nuvens que cobriam o céu, pois abominava qualquer dia quente de sol. Entretanto, Killua, depois de um tempo, passou a admirar dias ensolarados. Não sabia ao certo o motivo, mas se sentia confortável nesses dias. Passou a gostar do pequeno suor que escorria no pescoço, gostar de sucos e bebidas estupidamente gelados, gostar de mergulhos em rios com água fresca, gostar da grama verdinha perto dele e passou, também, a admirar o efeito bronzeado deixado na pele.

— E então, Killua, você gosta do verão? — Gon perguntou, ansioso pela resposta. O garoto Zoldyck não sabia ao certo o que responder, não era como se fosse sua estação favorita, afinal.

— Eu não sei. — respondeu enquanto abraçava as pernas, agora um pouco mais morenas. — Eu não gostava antes de vir para cá.

Ah, é verdade. Killua lembrou-se do motivo de começar a gostar desses dias. Era assim na Ilha da Baleia. Quase todos os dias eram de sol, e Gon ficava radiante com aquele brilho dourado derramado em seu corpo. A água era cristalina, fresquinha, e Gon adorava nadar nela quando sentia calor. As bebidas eram sempre servidas com muito gelo, e Gon sempre pedia mais, alegando tal quantia não ser suficiente. A grama se tornava mais verde, e Gon adorava fazer adereços de plantas e entregá-los a Killua. Os dias eram quentes, e o pescoço de Gon brilhava com a luz refletida em seu suor. O Sol quase queimava sua pele, mas deixava Gon com tonalidade dourada na pele e bochechas avermelhadas.

— Sério? — ele sorriu e limpou a testa. — O que te fez passar a gostar do verão?

Killua abraçou mais as pernas. Maldito Gon! Sempre faz perguntas demais. As bochechas do menino atingiram um tom salmão. Ele cerrou a boca formando uma perfeita linha e respirou fundo. Freecss o encarava curioso, por que Killua tinha que fazer tanto suspense?

— Ah. Eu me sinto confortável. — disse baixinho, sem olhar nos olhos nos olhos castanhos que o analisava de cima a baixo. — Bom, pelo menos mais confortável do que lá em "casa".

Gon sorriu e pousou a mão no joelho de Killua. O albino levantou a cabeça para olhar diretamente os olhos do garoto à sua frente.

"Céus, como pode uma bola de calor gigante deixá-lo tão bonito?" pensou. "Eu poderia encará-lo para sempre. Poderia ver esse garoto reluzente o tempo todo, sem me cansar."

— Eu fico feliz em saber que se sente bem aqui. — sorriu, com bochechas avermelhadas e orelhas mornas. — Faz com que minha, digo, nossa casa seja mais especial ainda.

Killua sentiu o estômago revirar. O toque de Gon era tão quente que ardia sua pele e levava o calor para as bochechas. Maldito idiota, sempre faz esse tipo de coisa. Diz algo tão sentimental como se fosse algo natural.

— Idiota! Não diga esse tipo de coisa do nada! — disse e mordeu o lábio inferior, pensando em como continuar aquela conversa.

— Ei, não é do nada! Eu digo isso pra você porque você é meu amigo!

— Pois então eu nunca vi você dizendo isso para o Kurapika nem para o Leorio. — respondeu, escondendo o rosto em meio as pernas. No fundo, sabia o motivo, mas gostaria de ouví-lo da boca de Gon.

— É porque você é especial pra mim, Killua. — disse, como um desabafo. Killua terminou por estar correto. Sabia que Gon diria algo assim, e se sentia bem com a resposta.

Houve um silêncio confortável depois disso. Ambos estavam sentados na grama verde perto do pequeno rio que passava pelo meio da floresta serena da ilha da baleia. O som calmo em meio às árvores sempre fora relaxante, de fato, e misturado com as correntes d'água, acabava por tornar o ambiente sossegado.

Mesmo assim, mesmo com a tranquilidade dali, o coração dos garotos parecia não se acalmar. Ambos tinham os corações acelerados, quase como se fossem sair por suas gargantas. Gon não podia conter um sorriso ansioso. Mesmo com o silêncio cômodo, não estava certo de que Killua havia entendido a mensagem. O rosto agora não mais tão pálido de Zoldyck deixava claro o rubor em suas bochechas e orelhas, sendo disfarçados e culpados pelo calor. Ele tinha de perguntar, ele sabia que tinha e não conseguiria sair dali sem perguntar.

— Mas e você, Gon, gosta de dias de chuva? — disse com voz falha. O coração batia mais rápido cada vez que uma gota de suor escorria no pescoço de Freecss.

Gon sempre preferiu dias ensolarados, os quais o Sol era a única coisa podendo ser vista ao olhar para o céu. O menino passou a não gostar de dias chuvosos quando, na infância, acabara perdendo a pulseira de sua tia enquanto brincava. Entretanto, Gon, depois de um tempo, passou a admirar dias nublados, cercados por nuvens carregadas d'água. Passou a gostar das brisas geladas, as quais ele poderia usar uma manta confortável para se esquentar, gostar da sensação quente e aconchegante das bebidas, gostar de sentir os dedos gelados passando em sua pele, gostar do som relaxante emitido da chuva, e passou, também, a admirar como as peles ficavam pálidas nesse período.

— Eu até gosto de chuva, mas não sei se consigo trocá-los por um dia de sol — disse e sorriu, colocando a palma atrás da cabeça. — Eu adquiri um trauma depois daquele dia da pulseira que eu te falei, sabe? Mas de uns tempos para cá, eu tenho adorado esses dias.

Killua riu um pouco e acenou com a cabeça. Lembrava claramente da hstória de Gon, e o quão idiota ela poderia ser.

O esverdeado sentiu o estômago revirar ao escutar a risada de Killua. Sentia como se estivesse escutando algo proibido, algo guardado pelo albino, e que ele se sentia confortável o bastante para mostrar, para compartilhar. Então, Gon se lembrou, lembrou-se o motivo de começar a gostar desses dias. Era assim na casa de Killua. Quase todos os dias eram nublados, e Killua ficava com bochechas e dedos ruborizados de frio. As bebidas eram sempre servidas quente, e, céus, Killua sabe fazer chocolate quente. A sensação do líquido passando por sua garganta trazia certa aura aconchegante, e Killua sempre sorria ao sentí-la. O quintal se tornava um lamaçal, e Killua sempre ficava em seu quarto, deitado na cama. Os dias eram frios, e os dedos de Killua ficavam gelados, levando-o a pedir à Gon para entrelaçarem as mãos e esquentá-las. O Sol quase não aparecia, então a pele de Killua se tornava mais branca a cada dia.

— Por que você acha que passou a gostar? — Killua perguntou e pôs a mão sobre a de Gon, como pedido para as entrelaçar.

— Eu não sei... — aceitou o pedido alheio e acabou com a distância entre suas palmas. — Eu me sinto acolhido.

Os dois meninos permaneceram ali, sentados na grama verde e fresca, mãos entrelaçadas sob o céu que alternava entre nuvens que vinham e iam, como se dançassem ao som da leve brisa. Killua olhou para Gon, seus dedos entrelaçados formando um elo que transcendia palavras não ditas. O coração de Killua batia descompassado, refletindo o calor que emanava das mãos de Gon, aquecendo-o mais do que qualquer sol de verão.

Gon, por sua vez, sentia a calma profunda que apenas a presença de Killua poderia trazer. Seu sorriso era um reflexo da felicidade que transbordava em seu peito, tão intensa que quase doía. O toque suave de Killua sobre sua mão era como um segredo compartilhado entre eles, uma promessa de apoio silenciosa que transcendia qualquer palavra falada.

E assim ficaram, até o anoitecer. A brisa gelada acariciava suas peles, mas sentiam-se aquecidos pela ligação de seus corpos.

Embora desejassem profundamente, sabiam que não podiam revelar seus sentimentos, pois não havia garantia na reciprocidade, era como lançar um sinal ao vento. Contudo, de uma coisa tinham certeza, tudo estaria bem se suas mãos fossem entrelaçadas. Se seus dedos se unissem quando a primeira gota de chuva tocasse o chão, ou quando o primeiro raio de luz banhasse a ilha da baleia, tudo ficaria bem.


Dias de chuva - Killugon - OneShotOnde histórias criam vida. Descubra agora