Masahisa
De novo uma manhã nublada, talvez os irmãos dos céus estejam em algum novo confronto entre seus semelhantes ou talvez agora, longe da guerra, eu consiga reparar melhor nele. Ele... Sempre foi assim? Encontro-me sentado no piso de madeira alto da engawa avaliando a paisagem cinza misturando-se a varanda e o clima frio, um copo de chá quente em mãos e por um breve momento consigo encontrar um pouco de paz.Mal sinto o tempo passar e noto que a luz do sol está a ganhar espaço entre as nuvens e iluminas a grama assim como o resto do local. Seu brilho suave cria uma sombra mais intensa no espaço em que estou, seu pequeno calor aquece um pouco mais o ambiente que ainda permanecem frio. Talvez seja uma das poucas coisas que tive a oportunidade de presenciar depois de tantos anos. Mas a minha falta de percepção fez-me notar que nem reparei nas horas passando, mal sinto a diferença do calor na xícara em minhas mãos, agora faz sentido do porquê o sol está um pouco mais visível agora, o dia já está passando e eu acabei me distraindo.
Bebo o chá em meu copo e o gosto já estava muito amargo e o líquido frio.
— Já está uma porcaria. — Resmungo comigo mesmo e começo a levantar-me.
Os passos pesados e o som de madeira batendo chama minha atenção, quando olho para o lado vejo Ko correndo na grama carregando vários bastões de madeira que tinham o dobro do seu tamanho. Provavelmente recebeu ordens dos soldados, isso não é um treinamento, mas parece estar esforçando-se para conseguir manter algum respeito entre os samurais serventes da casa. Sei que é uma perda de tempo, nada que ele faça trará algum benefício ou respeito que ele deseja, mas sinto-me orgulhoso de o ver determinado a conquistar o que almeja, talvez seja isso que o faz tão especial.
Caminho adentrando a casa, o ambiente parece conflitante mas o local em si está bem quieto, suspiro de alívio por isso, hoje não é o dia que gostaria de perder tempo com problemas da casa. Mal chego ao cômodo e já escuto mais passos, dessa vez alguém correndo, tem um porte pequeno e sua presença é chamativa, não preciso levar muito tempo para deduzir quem é, Kamila chega correndo até mim ofegante e agarra minha calça tão alegre que parece que achou uma mina de ouro embaixo do piso.
— VOVÔ — Ela grita.
— Já falei sobre sair correndo pelos corredores. — Advirto sobre as regras impostas na casa novamente, as vezes parece que ela não presta atenção no que eu falo.
Kamila é uma menina barulhenta, mesmo falando com ela, ela continua puxar minha calça e pular de animação. Acho que passar muito tempo a cuidado de Kodako desacostumou-me a lidar com crianças de verdade.
Sento-me próximo do chabudai e Kamila senta ao meu lado, ela puxa animada um papel que estava todo amassando, provavelmente estava segurando ele, e o abre para mim sorridente.
— Fui eu que fiz! — Ela mostra um desenho de bonecos em palitos, porém estavam tortos e muito manchados de tinta.
— Que bonito... — Quando pego para olhar é que eu paro para pensar. — Onde foi que arrumou tinta? — Pergunto meio receios pela resposta.
— No quarto do meu irmão. — Ela responde parecendo muito orgulhosa pelo feito.
Pelo tanto de mancha e o papel grudento de tanta tinta sinto até medo de como está aquele lugar agora.
— Aquele no canto é você vovô. — Aponta para o canto esquerdo do papel. — Do seu lado é o papai e o irmão e depois vem eu e a mamãe.
Kamila explica feliz com o seu feito, um desenho mal feito exibindo um retrato de família, está todo mundo sorrindo e de mãos dadas, parece-me até um jeito otimista de ver sua relação com aqueles que considera família. Olhar para esse papel manchado por tanto tempo deixa minha vista cansada, não pelo desenho mas a ideia de expressar uma família feliz é estranha, Kamila não tem proximidade com Masato, ele mesmo até a evita, é uma sensação estranha é como se eu estivesse vendo um ideal de algo que nunca existiu.
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Laços de sangue
RandomA jornada de duas irmãs que buscam superar as consequenciais do abandono de seus responsáveis enquanto tentam sobreviver a difícil realidade nas ruas do Japão e criar uma nova vida juntas de novo.