Red House

Prologo

Um novo dia estava prestes a nascer quando as aeromoças do voo JJ7354 da British Airlines,que havia saido a meia-noite do aeroporto internacional de Hong Kong,China,e com duzentos e noventa e dois passageiros indo para Londres,começaram a fechar as janelas do avião que agora preparava-se para sobrevoar o oceano atlantico junto com os primeiros raios de sol. Era um procedimento padrao para evitar que os passageiros voando internacionalmente pela primeira vez sofressem algum tipo de confusao com a mudança de fuso horario "repentina". Pacientemente elas passavam por cada uma das fileiras certificando-se que todos os passageiros estavam confortaveis e com os cintos devidamente afivelados. A madrugada estava calma e tudo estava correndo na mais absoluta paz. A jovem comissária de cabelos loiros prestava especial atenção a uma crianca sentada na fila do meio junto com sua avo. Era um garotinho que aparentava estar no auge dos seus cinco anos e,visivelmente nevoso,ele constantemente agarrava-se ao seu ursinho de pelucia procurando por alguma segurança ja que sua avó estava praticamente desfalecida – e correndo um risco intenso de se afogar na propria baba – de sono na poltrona do corredor. A moça gentilmente percebeu o desconforto do pequeno e foi rapidamente ao seu encontro: privacidade
"- Voce esta bem rapazinho?
Ele nao respondeu. Apenas olhou para ela e acenou com a cabeca,continuando agarrado ao ursinho vestido de marinheiro
"- Esta mesmo? Tudo bem. Vou acreditar em voce. E este velho capitao? Ele esta bem? Como ele se chama?
"- Gordon
"- Muito prazer,Capitao Gordon! Eu me chamo Ellen e tenho um amigo querido que tambem se chama Gordon e trabalha no porto,sabia?
"- Ele 'dirige' um barco??
"- Nao exatamente. Ele trabalha como engenheiro dos navios
O garotinho olhou para a jovem moça um pouco confuso e sem entender o que ela estava querendo dizer com aquilo. Apenas deu um leve sorriso e voltou a concentrar-se no seu amigo de pelucia.
"- Vou trazer um pouco de chocolate para voce e para o capitao por serem tao corajosos,tudo bem? Voce pode comer chocolate?
Ele acenou positivamente com a cabeça e ela podia jurar que viu todo medo do rosto dele ser 'queimado' pelo brilho de seus olhinhos ao ouvi-la dizer chocolate
"- E o capitao?
"- Ele nao gosta muito porque faz ele se coçar todo. Entao eu sempre como os que a minha vo da pra ele porque ele nao gosta.
"- Tudo bem,querido. Ja volto
A aeromoça foi e direção a cozinha e seus passos eram praticamente tudo que se podia ouvir durante o voo silencioso. O silencio estava tao alto que era como se pudessem ouvir a mare quebrando nas pedras das praias da Cornualha,uns onze mil pes abaixo deles. Ela chega na pequena cozinha metalizada e abre algumas gavetas em busca do tal chocolate e encontra apenas um de caramelo e nozes deixado de lado por uma passageira de dieta. O chocolte escapa dos seus dedos e cai no chao junto com o seu telefone que escorrega do bolso. Em um malabarismo rapido ela equilibra os dois e acende a tela do aparelho que mostra uma notificacao de mensagem da sua mae querendo saber a que horas ela chegaria. "Devo chegar por volta das 9 xx. Tenho uma novidade..." Uma ligeira euforia acompanhada por um frio na barriga toma conta dela por alguns instantes antes de continuar. "Bom,seja o que Deus quiser". Enviar. A diferenca de fuso naquele momento a deixa um pouco mais tranquila pois a mensagem provavelmente so vai ser respondida em algumas horas entao ela respira e coloca o celular de volta no bolso. Inclina-se para fechar o armario mas antes que conseguisse um estrondo terrivel acontece interrompendo o sono dos passageiros e a paz que estava antes da lugar ao mais completo terror e desespero. Pessoas começam a gritar sem entender o que acabara de acontecer e enquanto mascaras de oxigenio caem do teto. Mães desesperadas vão contra as regras e colocam as mascaras primeiro nas criancas ao inves delas. Uma senhora de hijab lilas florido balanca-se de tras para frente enquanto debulha fervorosamente seu cordão de oracoes. E algumas vozes desesperadas pedem perdão a medida que o barulho da turbina começa a ficar insuportavel. As outras tres aeromoças saem desesperadas,segurando-se nas poltronas e compartimentos de bagagem,para tentar acalmar os demais e prepara-los para a posicao de impacto. Com dificuldade para manter-se em pe e acalmar as pessoas no pandemonio de desespero que virara o voo nos últimos segundos,uma delas decide ir ate o cockpit para tentar saber o que aconteceu ja que nenhum dos pilotos havia dito nada,nem no alto-falante e muito menos na linha direta da tripulação.
Ela chega ate a porta do cockpit e bate desesperadamente mas sem resposta. A unica coisa que consegue ouvir,alem dos proprios pensamentos dizendo a si que o pior aconteceu,são os alarmes gritando "stall stall stall" sem parar. Ao ouvir aquilo,um frio passa pela sua espinha. Ela sabe o que esta por vir. "Deus,por favor nao..Nao. Me deixa ficar mais um pouco"
O resto da tripulação tenta acalmar os passageiros que agora estão certos do fim e que nao resta-lhes nada a nao ser apegar-se aos seus respectivos credos,ultimos pedidos,confusao mental e arrependimentos. A moça loira,ainda com o chocolate em mãos,tenta procurar pelo garotinho mas agora parece procurar uma agulha no palheiro; pessoas correm de um lado para o outro,jogando-se uma em cima das outras,bebês de colo assustam-se com o barulho e choram sem parar,a aeronave perdendo sustentação e despressurizando a cada segundo. De repente ela sente uma mão pequena agarrando seu uniforme e em seguida segurando-se em volta da sua cintura como se a existencia dos proximos anos dependesse daquele ultimo abraco. Ela olha ternamente para ele. Os seus pequenos olhinhos pretos como a escuridao aterrorizante e bela la fora,encaram os dela apavorados e procurando algum conforto. Na profundidade daquele olhar ela so consegue sentir como se estivesse olhando para um abismo e ele olhasse de volta. E por dois nanossegundos tudo ao redor para. A algazarra silencia-se. Os musculos tornam-se menos rigidos, a tela mental menos confusa e no coração instaura-se uma paz quase celestial,como se naquele momento todas as perguntas da sua vida tivessem sido respondidas por um anjo segurando um urso de pelucia vestido de marinheiro. De repente o abismo escuro no olhar do pequeno transforma-se num familiar oceano azul-claro a qual ela fora dragada exatos dois anos atras e traz consigo todas as lembrancas que eles viveram juntos e todas as que agora ela tem a morbida certeza de que jamais vao viver.
Ela da o chocolate a garotinho e em seguida cerra os olhos com forca. Uma lagrima densa escorre pelo seu rosto e a ultima coisa que ela faz e levar a mao direita ao ventre. De repente,tudo fica escuro.