Ⅰ • Tanatofobia

5 2 0
                                    

Sophie

Apesar de ter tido um pai mexicano que sempre abraçou a morte, esse sempre foi o meu maior medo, o que sempre tentei disfarçar. Não sei bem quando comecei a sentir isso, talvez quando a vi nos olhos. Era um medo irracional, de ir até a cozinha e me queimar fazendo arroz, de ir dormir e temer um ataque cardíaco, de só conseguir pensar na minha morte enquanto minhas colegas faziam rotina de cuidados com a pele uma com as outras. Em todos os momentos possíveis, eu lembrava que algum dia eu iria morrer, e isso me apavorava. Mesmo não sendo feliz e não tendo razões para viver, eu sempre temi a morte.

E eu só percebi isso quando vi o corpo de Emily no lago.

Apesar da escuridão e da chuva que quase arrastava nossos pés para debaixo da montanha, consegui enxergar perfeitamente o corpo morto de Emily. Seu corpo estava completamente nu, com a cabeça pendurada no pescoço por um pequeno osso, além do osso do joelho da perna dela completamente para fora, rasgando sua pele. Seu olho estava do meu lado. Arranhões, queimaduras e hematomas também eram abundantes pelo corpo dela. 

A tempestade impossibilitava boa parte da minha audição, mas consegui ouvir o grito de Sam ao meu lado. Seu cabelo curto e ondulado estava completamente encharcado, junto de suas roupas. Cobri ela com meus braços, pensando no frio e medo que ela estava sentindo. 

— Puta merda — deixei escapar, completamente em choque. 

— CARALHO — Marck gritou atrás de mim. Seu cabelo loiro, que antes tinha uma franja ondulada e alta, agora estava encharcada e baixa, cobrindo seu olhar.

Alana colocou suas mãos na cabeça.

— Q-q-quem car-ralhos f-faria is-s-so?

— Poderia... ser um urso... né? — André olhou para mim, esperando que eu aprovasse sua ideia. Acenei um não com minha cabeça.

— Não conheço nenhum urso que arranca olhos, burro. Isso foi alguém do acampamento.

— Quem fez isso... ainda pode estar aqui? — Sam me perguntou. Pude observar sua respiração extremamente acelerada e quando sua boca se movia, saía fumaça de tão frio que estava. Pensei em sua pergunta e respirei fundo olhando para cima, observando a lua crescente. Provavelmente era meia-noite, e esses machucados de Emily pareciam recentes, considerando que o sangue ainda pingava no lago, então era possível.

— A gente precisa sair daqui agora.

Todos se aproximaram e ficaram juntos. Não tínhamos celular, nem lanterna. O escuro era nossa única companhia além do medo. Todos nós olhávamos para todos os lados achando que algum assassino em série poderia nos matar a qualquer momento. Queria que tivesse sido simples assim.

Não preguei o olho durante a noite. Muitos sentimentos estavam dentro de mim. O primeiro era de que eu não deveria ter ido para esse acampamento. O segundo era a culpa de deixar o corpo de Emily lá, e olha que não sou uma pessoa que se sente culpada facilmente. A dúvida se fomos vistos, se estavam nos vendo dormindo, se mais alguém viu o corpo da Emily e ficou em silêncio, quem fez aquilo com ela...

Levantei-me inquieta e fui para o banheiro fumar um cigarro. Aquela cabana em que estávamos era incrivelmente suja, cheia de teias de aranhas e até alguns ratos. Tinham vários beliches e duas escrivaninhas, além de alguns quadros e um tapete bem grande no meio do cômodo.

Como eu não queria sair da cabana, sentei-me ao lado da banheira com chuveiro, e pude sentir meu peito se encher e minhas dúvidas indo embora com a fumaça.

A porta se abriu, por um segundo senti medo, mas depois fiquei aliviada. Vi Sam entrando.

— Oi...

— Que susto. Oi.

— Que nojo, Sophie.

— Prefere ir lá fora?

Ela não me respondeu e se sentou do meu lado, trançando meu cabelo ruivo vibrante. Ela gostava de trançar meu cabelo desde que nos tornamos amigas, e achava isso fofo.

— Quem você acha que foi? — Seus grandes olhos castanhos me encararam.

— Hm... Eu não sei. Não duvido ter sido alguma menina que a Emily talaricou. Vai ver Yandere Simulator veio pra vida real.

Ela sorriu pela piada e depois ficou estranhamente séria. Conhecia muito bem Sam e percebi sua respiração ofegante, com certeza estava ansiosa. Sabia que tinha algo errado.

— Sam? O que foi?

— Eu acho que foi o diretor.

Quase me engasguei e arregalei os olhos. Deixei o cigarro de lado. O diretor de nossa própria escola? Por que ele faria algo assim? 

— Oi? Por que tu acha isso?

— Ontem, de madrugada, ele veio até a nossa cabana e ficou na porta. Eu vi na janela. E depois a Emily saiu. Depois disso ninguém mais viu ela...

— Puta merda, é verdade. Fodeu então.

Emily sempre foi considerada "pregadora", até demais. Às vezes parecia que ela não tinha compaixão por si mesma. Ouvi algo na escola sobre ela e o diretor, mas achei absurdo demais para ser verdade. Como se não fosse absurdo o suficiente ela ficar com o diretor, ele ainda a matou? Por que ele a mataria?

— A gente não tem que falar para a polícia? Ou algo do tipo?

Fiquei em dúvida. Acreditava que nós devíamos fazer algo, mas a chance de terminarmos igual Emily era brutal. Estávamos sozinhos no meio do nada, sem nossos celulares. Não tínhamos chance.

— Acho melhor não. A gente tem mais um mês aqui e a gente tá sem o celular. Se a gente tentar...

Vi seus olhos grandes se encherem de lágrimas. O medo que ela mostrava sentir, e a ansiedade de ter guardado o fato sobre o diretor... A abracei, fazendo cafuné em seu cabelo, com as mãos trêmulas, devido à informação que recebi.

— Amanhã, a gente vai ver. Por enquanto só tenta não... morrer ou algo do tipo.

Ela sorriu e alguns minutos depois, dormiu em meu ombro.

O Abismo do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora