Cap.4

44 7 2
                                    


Miséria é a falta de amor entre os homens.
-Santa Irmã Dulce

Akira

Apesar do constante fantasma do meu passado que rodeia meus pensamentos, tento seguir em frente chorando no banho sempre que posso, tendo pesadelos horríveis e sorrindo para suportar a dor. Vida humilde que tanto aspirei como refúgio da prisão em que antes estava.

Estou mais livre do que jamais estive antes e ainda sim… Sinto-me perdida. Não sei para onde ir. Só sei que… quero ser feliz alguma vez nessa vida… sinto que nunca a experimentei de verdade.

A paz soa como uma doce felicidade para mim.

A inconstância no meu coração vem principalmente de olhar-me no espelho quebrantada e…suja por dentro, sem saber como concertar e limpar-me por inteira. Uma nova eu, mais charmosa, alegre e gentil parece aqueles sonhos distantes…

-Nada é impossível…. Quem diz isso tem um cartão Black sem limites.

Hoje inicia meu trabalho no mercado, já estava trajada com o uniforme branco e amarelo vibrante. Me sentia um semáforo.

-Hoje estou de parar o trânsito! -Autoestima mutilada em dia.

Desci as escadas e andei até o estabelecimento.

(...)

-Caramba, você parece morta por dentro.

Foi o elogio que recebi da funcionária velha da lojinha. Ela era super hiper mega simpática com todos, mas minha cara de paisagem a incomodava muito. Forcei um sorriso e ela disse:

-Parece meu neto fazendo cocô.

Foi o fim da picada, então desisti.

-Olha, menina. -Aquela senhora continuava a conversar “comigo”, mesmo quando permanecia sem respondê-la. -Você, tem que se cuidar, se arrumar. É uma jovem bonita e com certeza está nesse fim de mundo só pra pagar a faculdade. Pra ser boa profissional tem que cuidar da imagem… Você está bem?

-Estou sim. -Respondi na educação esperando que aquele fosse o fim. Mas pelo visto, apenas fomentou a sede dela por mais respostas.

-Sabe, hoje em dia todos os jovens estão doentes…como é que chamam?...Ah é! Depressão! Tem que tomar cuidado. Não ser pessimista. Infelicidade demais deixa as pessoas doentes. Sabe, no meu tempo isso era chamado de “morrer de desgosto”. Minha mãe morreu assim. -Um tom melancólico foi assumindo suas cordas vocais, então parei de ajeitar as prateleiras para encará-la. -Antes, não entendia-se muito bem, mas depois de uma mulher parir pode acabar ficando muito deprimida. Mamãe se afundou na tristeza após meu nascimento… Ela era linda…-Me encarou amável -Toma cuidado, menina! Você é jovem! -Repetiu aquela frase pela milionésima vez.

Alguma coisa ela tinha razão. Apesar de ser chata. Vou afundar num poço muito fundo se minha saúde mental decair e sem saber escalar esse poço eu poderia… cometer uma loucura.

-Uuhh eu comecei a fazer hidroginástica. Sou muito boa, mas é meus instrutor que chama atenção. Menina, faz algum esporte?

-Não.

-Ah…-alguns segundos de silêncio e esse é o fi…-Deveria fazer algum esporte. Vi no jornal que depois dos 20 você começa a perder colágeno e depois dos 30 perde músculo. Muitos idosas de 96 estão em ótima forma por terem se cuidado. Deveria praticar alguma coisa.

-Vou correr..-Soltei sem pensar. A Senhorinha sorriu encolhendo os olhos para mim, e dei um sorriso discreto de lado em resposta.

Na volta pra casa já era noite. Subi as escadas quase morrendo e andei até meu apartamento. Encarei a água fria num banho de menos de 5 minutos. Era terrível demais para que eu suportasse. Tremi inteira conforme me vestia com um conjunto de moletom preto e fiz às pressas meu miojo que comprei no meu novo trabalho. Em passos curtos e rápidos me direcionei, enrolada no meu edredom, a porta do meu vizinho, que estava entreaberta.

Mas, para a minha surpresa, havia um colchão no chão próximo a porta. Percorri o lugar com os olhos e Caleb estava encarando a tv, passava um filme de terror, que se não me engano, se chama “A casa de cera”.

Sem dizer uma palavra me sentei no colchão e abracei meu corpo no edredom para manter-me mais aquecida. Embora o aquecedor da casa dele estivesse ligado, a janela estava aberta. Sem saber meus limites naquela casa, andei até o sofá e toquei seu ombro ele saltou de susto e arregalou os olhos.

-Caralho! -Engoli em seco. -Você me deu um susto! Teu dedo é gelado!
-Perdão. É…. Que queria perguntar se não posso fechar a janela… está frio…
-Ah, fecha. Poderia pelo menos ter sinalizado que tinha entrado.
-Desculpas. -Estar na casa dos outros era viver na regra dos outros. No orfanato não havia privacidade, então eu não sou muito boa em respeitar esse tipo de espaço.

Fechei a janela e voltei para meu lugar no cantinho. Eu me sentia um cachorro abandonado de rua. Senti um nó na garganta e desejei voltar para meu apartamento, mas morreria de frio desse jeito.

Quando subo o olhar novamente, o garoto de cabelo loiro bem escuro, quase marrom ou mel, mantinha-me no seu escrutínio.
Ótimo… mais perguntas.

-Akira, certo?

Fala sério! O cara ainda tava com dúvida? Como ele deixa uma desconhecida assim na casa dele? A menos que ele espera que…

-S-sim…. Olha, eu não sou sem teto, nem prostituta, nem drogada. Nada do tipo. Eu só não tenho lenha pra me aquecer nesse frio e sei que deve ser incômodo a minha presença mas-

-Eu só queria saber se não quer dividir o aluguel comigo. Tenho um quarto a mais. Não conheço ninguém na cidade, vim fazer faculdade e não quis morar nos alojamentos. -Eu deveria ter sido mais observadora, o inglês dele tem sotaque.

Daria tudo pra ter um dormitório…Mas essa oferta dele, está parecendo uma ótima opção, na verdade, quase um milagre para a condição em que me encontro.
-Posso fazer algumas perguntas então? -ele arquea as sobrancelhas. Não vejo porque ele imaginaria que toparia sem hesitar. Morar com um homem desconhecido exige muitas informações além desse pouco que ele forneceu.

Contudo, eu de fato estou sem muitas alternativas.

-Claro. Faça quantas quiser.

Ok então.

Desejo de Eternidade -romance católicoOnde histórias criam vida. Descubra agora