Cap. 6

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Assim como a tristeza é a companheira do pecado, a alegria é a companheira da santidade
-Venerável Fulto Sheen.

Akira

Acordei sentindo-me letárgica. Após um tempo com os olhos abertos, compreendi que estava no hospital. Pelustrei o local sem muita minuciosidade. As paredes brancas e a sensação de um fio com esparadrapo na mão bastaram para concluir isso.

Meu Deus, quem foi o infeliz que me trouxe pro hospital? Não tenho plano de saúde pra pagar mais despesas, ainda nem recebi meu primeiro salário! Fala sério!
O dinheiro é a minha maior preocupação, ou melhor dizendo, a ausência dele que é. Afundar-me em dívidas seria a realização de um pesadelo, não preciso de muito, não preciso de alguém preocupado em me levar para o hospital.

-Oi, já acordou? -Um rapaz aparece no meu campo de visão e pisco repetidas vezes a fim da imagem se tornar nítida. -Você apagou por horas. Eu ia pra faculdade, mas a enfermeira disse que você precisava de acompanhante.

-Obrigada. -Foi tudo que consegui dizer. Não conseguindo formular mais perguntas ou organizar os pensamentos. Declarar minha insatisfação soaria muito rude e mesmo que quisesse ser grosseira sentia-me flutuando no ar num estado nebuloso e apático. Era a melhor descrição crível para expressar-me naquele momento. Tentei me sentar e uma dormência anormal percorreu-me. O jovem que sei que conheço mas não recordo o nome, com fios de mel na cabeça, também não permitiu que eu me esforçasse mais.
-Parece uma abelha. -Soltei aquilo sem refletir. Na verdade, a minha lucidez era semelhante a de alguém com Alzheimer. Nunca tive Alzheimer, mas imagino que seja assim.

-Nossa, eu queria estar nessa lombra, mas meus dias assim passaram. -Falou mordendo o lábio inferior. Por que ele está fazendo isso? Tentando me seduzir? Parece uma dessas mulheres de esquina que seduzem os fracos e covardes por dinheiro igual a sereias afundando marinheiros no mar.
- Você não pode virar mulher no apartamento, pra eu não perder meu ouvido. Pureza.
-Haram. Claro.
-Você é um zangão bonitão, admiro…admito.
-Ah é é? Você acha? -ele riu e covinhas apareceram. Essas covinhas já devem ter deixado garotas loucas por uma cova no seu rosto.
-Tu não tem barba?
-Ei, não me esculacha! Eu te ajudei…Inacreditável. Vai crescer! É só que… deixa pra lá.

Ele está irritado? Eu o deixei irritado? Não quero provocar esse sentimento nele. Se estou evocando coisas ruins, o que pode acontecer? O que ele pensa em fazer comigo?

-Não pode me machucar. -Por favor eu imploro se for necessário. Pensava sentindo-me distanciando cada vez mais da minha racionalidade para meu inconsciente.
-Você repete muito isso. Quem te machucou? -Quantas agulhas perfuraram meu peito com essa frase?
-Muita gente…-Sussurrei antes de perder a consciência.

(...)

Com o retorno da consciência, me senti terrivelmente estúpida. Como pude dizer aquelas coisas e o que ele estaria pensando de mim agora?

Acordei na casa dele deitada num quarto, que provavelmente foi o que ele mencionou na nossa conversa. Levantei me sentindo tonta e devagar. Devagar demais para alguém que deveria estar saudável após ir num hospital -sem um tostão no bolso para pagar.

Caleb estava na sala e quando me viu, levantou e veio na minha direção ficando a 5 passos de distância. Examinou-me sem escrutínio, todavia ele aparentava genuinamente preocupado comigo. Após concluir no seu “exame silencioso” sobre meu estado, começou a falar:

-Então... Bora negociar? -Sem esperar uma resposta minha ele prosseguiu. -Meio a meio o aluguel, você fica nesse quarto e quanto as minhas visitas íntimas tentarei manter discrição. Fechado? -Ele parecia ter planejado esse discurso. Avançando um passo senti meu estômago se contrair em nervosismo enquanto pela lerdeza permaneci parada. -Por favor, aceite. Eu preciso de ajuda com o aluguel e também… Você quase morreu ontem? Pelo o que eu saiba, puritanas tem amor à vida!

-Tudo bem, eu aceito a proposta. Mas, eu não sou puritana, sou católica. Há algum problema em eu ter uma santa no meu quarto?
-Decore como quiser, sinta-se em casa. Quer ajuda para buscar suas coisas?
-Não precisa. Agradeço por tudo que já fez. -Olhei para o lado com o calor que subiu no meu rosto.
-Como está se sentindo?
-Bem. -Minha vil desconfiança no sexo oposto, que era ciente não ser algo sadio em minhas convicções, não me permitiu contentar-me com ajuda em silêncio, por isso comecei a inquirir:

-Como fui parar no hospital?
-Então…Akira, eu não sou nenhum tipo de maluco, mas era tão claro quanto a luz do sol que viver sem aquecedor no tempo de 10°C é loucura, quem dirá no frio de 0°C de ontem a noite. -Ele tinha razão, contudo ainda há lacunas nessa história que não compreendo e preciso saber.
-Como você entrou na minha casa?
-Achei a chave de baixo do tapete.
-Não pensou em bater?
-Bati e como você não abriu já te imaginei morta. E você parecia mesmo.
-Ah … Então… Obrigada?
-De nada, vou carregar suas coisas. -Eu pretendia perguntar mais coisas como “por que foi atrás de mim? Por que quis me salvar?” Mas eu mantive elas guardadas dentro de mim e provavelmente nunca saberei a resposta para elas.

Ele saiu e fui acompanhá-lo, ele entrou sem mais nem menos no meu espaço, pegou minhas duas caixas, minha mala e meus miojos. O meu edredom eu mesma levei -só pra não sentir que não fiz nada.

-Foi bom fechar negócios com você. Ah, quase me esqueci, teu atestado tá na mesa. -Ele pensou até em pedir um atestado pra eu apresentar por ter faltado no trabalho?
-Valeu. -Foi tudo que consegui dizer, mas por dentro a confusão fazia minha cabeça girar.

Aquilo era estranho. Muito estranho. Mas era também mais oportuno para mim. “Quais as suas intenções fazendo isso? É só por dinheiro?”-Vou adicionar essa última pergunta para a caixinha dentro do peito que não vou abrir mais.

-Vai ficar tudo bem. -tentei me acalmar, quando retornei ao meu novo quarto. Foi a mudança mais rápida que já passei na minha vida. Aos olhos dele devo me assemelhar a uma mendiga, digna de pena o suficiente para ele ceder um quarto.

O frio já não era mais uma ameaça à minha sobrevivência pelo menos. Agora havia espaço para pensar mais…. O que não sei se é bom ou ruim no meu caso. Torço para que o meu trabalho me arrancar do ócio, assim não pensarei tanto e logo poderei pagar a minha parte do aluguel.

Desejo de Eternidade -romance católicoOnde histórias criam vida. Descubra agora