Capítulo 2

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Estava começando a ficar claro que, cerca de oito milhões de anos antes, Cam havia me descrito como gostoso e emburrado. Porém, agora, eu já estava 80% emburrado.
— O pai de todo mundo é fã do meu pai.
— Isso deve mexer com a sua cabeça.
— Um pouco.
— E deve ser ainda mais esquisito com toda essa coisa rolando
na TV.
— Mais ou menos. — Mexi meu drinque com apatia. — As
pessoas me reconhecem com mais frequência, mas "Ei, seu pai é aquele cara do programa de talentos idiota" é levemente melhor do que "Ei, seu pai é aquele cara que estava no jornal semana passada por ter dado uma cabeçada em um policial e depois vomitado em um juiz enquanto enchia a cara de heroína e desinfetante de privada".
— Pelo menos é interessante. A coisa mais escandalosa que meu pai já fez foi sacudir um frasco de ketchup sem perceber que estava sem a tampa.
Eu ri contra a minha vontade.
— Não acredito que você está rindo do meu trauma de infância. A cozinha ficou parecendo uma cena de Hannibal. Minha mãe ainda faz questão de lembrar disso toda vez que está irritada, mesmo quando não é culpa do meu pai.
— Sim, minha mãe também sempre fala do meu pai quando eu encho a paciência dela. Embora não seja tanto "Isso me lembra aquela vez que o seu pai espalhou molho de tomate pela cozinha inteira", e sim mais "Isso me lembra aquela vez em que o seu pai disse que viria para o seu aniversário mas ficou em Los Angeles cheirando cocaína nos peitos de uma prostituta".
Cam ficou meio sem reação.
— Meu Deus.
Merda. Metade de um drinque e um sorriso bonito na conta, e
eu já estava cantando feito um garoto de rua adorável em uma barricada francesa. Esse era o tipo de coisa que acabava indo parar nos jornais. Outro segredo vergonhoso: Jon Fleming e a cocaína. Ou talvez Tal pai, tal filho: o comportamento infantil de Jon Fleming Jr. comparado com a arruaça regada a drogas do pai. Ou, no pior dos casos, Depois de tanto tempo, ela continua louca: Odile O'Donnell briga com o filho por causa do vício de Fleming em prostitutas nos Anos 80. É por isso que eu nunca deveria sair de casa. Ou conversar com humanos. Especialmente com humanos que eu queria que gostassem de mim.
— Escuta — falei, sem tentar disfarçar, embora soubesse como aquilo poderia terminar mal. — Minha mãe é uma pessoa muito boa, me criou sozinha e já passou por muita coisa, então... tipo... você pode esquecer o que eu disse?
Ele me olhou daquele jeito típico de quando se está mentalmente tirando uma pessoa da caixa que diz "atraente" e pondo na que diz "esquisito".
— Eu não vou contar nada para ela. Eu nem a conheço. E, sim, talvez eu tenha vindo dar em cima de você, mas estamos bem longe da fase de conhecer os pais.
— Desculpa. Desculpa. Eu... eu só sou muito protetor com ela.
— E você acha que ela precisa ser protegida de caras aleatórios que você conhece no bar?

Bem, eu tinha estragado tudo. Porque a resposta basicamente era: "Sim, caso você conte para os tabloides, porque é o tipo de coisa que já aconteceu comigo", mas se eu dissesse isso acabaria plantando a ideia na cabeça dele. Quer dizer, partindo do pressuposto de que a ideia já não estivesse lá e ele não quisesse me usar como uma flauta ou uma rabeca, dependendo de qual banda dos anos 70 atribuísse a mim. O que me deixava com o plano B: permitir que esse homem divertido e sexy, com o qual eu gostaria de tentar transar pelo menos uma vez, acreditasse que eu era um esquisito paranoico que passa muito tempo pensando na própria mãe.
— Hm. — Engoli em seco, me sentindo tão desejável quanto um sanduíche de animal atropelado. — Podemos voltar para o momento em que você vinha até aqui para dar em cima de mim?
Ele ficou em silêncio por mais tempo do que eu gostaria. Então, sorriu com um leve toque de cautela.
— Claro.
Outro silêncio.
— Então — tentei. — Esse negócio de dar-em-cima-de-mim
que você está fazendo. Preciso confessar que é bem minimalista. — Bom, meu plano original era, tipo, tentar conversar um pouco, ver o que rolava e então tentar te beijar ou alguma coisa assim. Mas você meio que matou essa estratégia. Então agora eu
não sei o que fazer. Aquilo me derrubou.
— Sinto muito. Você não fez nada de errado. Eu só sou muito ruim em... — Fiquei tentando encontrar uma palavra que resumisse meu histórico de relacionamentos corretamente. — ... tudo.
Talvez eu estivesse imaginando, mas quase dava para ver Cam se questionando se ele se importava comigo ou não. Para a minha surpresa, a resposta pareceu ser positiva.
— Tudo? — repetiu ele, cutucando a ponta da minha orelha de coelho de uma forma que eu escolhi interpretar como encorajadora.
Aquilo era um bom sinal, não era? Tinha que ser. Ou será que era um péssimo sinal? O que havia de errado com ele para não estar fugindo e gritando? Certo. Não. Eu estava muito preso nas minhas neuroses, e esse era o pior lugar para se estar, principalmente para mim, eu só precisava dizer algo leve e provocante agora, cacete.
— Talvez eu seja razoável no quesito beijos.
— Hmm. — Cam se inclinou, chegando mais perto. Puta merda, ele estava mesmo caindo nessa? — Não sei se posso acreditar em você. Acho que vou precisar conferir por conta própria.
— Hm. Tudo bem?
Então ele conferiu por conta própria. E eu era razoável no quesito beijos. Meu Deus, espero que eu seja razoável no quesito beijos.
— E aí? — perguntei logo em seguida, soando relaxado, engraçado e, de forma alguma, desesperado e inseguro.
O rosto dele estava perto o bastante para que eu pudesse enxergar todos aqueles detalhes tentadores, como a espessura dos cílios, a barba começando a crescer no maxilar e as covinhas no canto da boca.

— Não sei se consigo chegar a uma conclusão precisa com os dados de apenas uma ocorrência.
— Uuuuh. Que científico.
Expandimos o banco de dados. E, quando terminamos, eu me encontrava imprensado no canto do bar, as mãos enfiadas nos bolsos de trás da calça jeans dele, em uma tentativa esfarrapada de fingir que eu não estava apalpando sua bunda sem o menor pudor. Foi quando lembrei que ele sabia meu nome, e o nome do meu pai, provavelmente o nome da minha mãe e talvez tudo o que já havia sido escrito sobre mim, enquanto eu só sabia que ele se chamava "Cam" e que seu beijo tinha um gosto bom.
— Você é? — perguntei, sem ar. E, em resposta ao olhar confuso dele, completei: — Você sabe, cientista. Você não tem cara de quem gosta de ciências.
— Ah. Não. — Ele sorriu, sedutor e delicioso. — Aquilo foi só uma desculpa para continuar te beijando.
— O que você faz da vida então?
— Faço uns frilas, principalmente para sites que se acham o BuzzFeed.
Sabia. Eu sabia, porra. Ele parecia impaciente demais para ignorar todos os meus muitos, muitos defeitos.
— Você é jornalista.
— Essa é uma palavra bem generosa para definir o que eu faço. Eu escrevo aquelas listas de "X coisas sobre Y, você não vai acreditar no item Z" que todo mundo odeia mas lê mesmo assim. — Doze coisas que você não sabia sobre Min Yoongi. A número oito vai te surpreender. — E às vezes eu faço aqueles testes em que você escolhe oito fotos de gatinhos e descobre qual personagem de filmes do John Hughes é.
A versão racional de Yoon, aquela de um universo paralelo onde meu pai não era um bosta famoso e meu ex-namorado não havia vendido todos os meus segredos para os tabloides, tentou me dizer que eu estava exagerando. Infelizmente, eu não dei ouvidos.
Cam inclinou a cabeça, confuso.
— O que houve? Olha, sei que não é um trabalho lá muito sexy, e nem posso te confortar dizendo que "alguém precisa fazer" porque literalmente ninguém precisa. Mas você ficou esquisito de novo.
— Desculpa. É... complicado.
— Complicado pode ser interessante. — Ele ficou na ponta dos pés para ajeitar uma mecha do meu cabelo, pondo-a atrás da orelha. — E o beijo nós já acertamos. Só precisamos melhorar a parte da conversa.
Abri o que eu esperava que fosse um sorriso provocante.
— Acho melhor focar naquilo em que eu sou bom.
— Vamos combinar assim. Te faço uma pergunta, e se eu
gostar da resposta você pode me beijar de novo.
— Hm, não sei...
— Vamos começar aos poucos. Você já sabe o que eu faço da vida. E você, faz o quê?
Meu coração estava acelerado. E não do jeito bom. Mas,
considerando as perguntas que ele poderia ter feito, aquela parecia inofensiva, certo? Era o tipo de informação que pelo menos duzentos robôs de spam já sabiam.

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