• Primo Capitolo •

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— Mia?

Matteo me chamou de forma suave, fazendo sua voz grossa soar um pouco rouca, me tirando abruptamente do meu transe.

Eu consegui por um instante não pensar em absolutamente nada, não que eu não tivesse o que pensar, mas todas aquelas técnicas de meditação nunca me foram tão úteis.

Olhei ao redor, a capela lotada de pessoas vestidas de preto que mal sabiam como papa era carinhoso e gentil. Maior parte delas nem entenderiam o quão devastadora era sua perda para nós.

Óbvio que a perda do dom da maior organização mafiosa da Itália seria sentida, mas nunca seria como estava sendo para mim.

Meus olhos cruzaram com o de mamma que estava do outro lado do salão e então sorri gentilmente para ela. Ela parecia exausta, porém desviei o olhar o mais rápido que eu conseguia.

Olhar para ela era como lembrar dos nossos últimos momentos em família. Era como lembrar da notícia.

Me virei para Matteo que me olhava fixamente.

— Você precisa se alimentar. — disse em um tom cauteloso.

— Já comi. — menti. — Muito obrigada pela preocupação.

Ele respirou fundo e passou a mão pelo cabelo curto e escuro como a noite.

— Olha, eu estou tentando de manter viva... — começou a dizer sem muita paciência.

— Eu já estou cuidando disso. — disse forçando um sorriso.

Matteo respirou fundo e revirou os olhos. Paciência não era o ponto forte dele, nunca foi, mas ele estava tentando e se desdobrando para não perdê-la. E, sinceramente, não dá para culpar ele, quando eu literalmente estou fazendo o mínimo para me manter viva.

— Preciso ir ver Valentina. — mais uma mentira.

Eu não precisava porquê sabia que ela estava em segurança e não queria. Eu amo minha irmã mais nova, mas seus olhos são tão parecidos com o de papa que era difícil olhar para ela.

Estava me retirando quando senti sua mão em meu pulso. Eu tinha o irritado tanto que não me surpreenderia se seu toque fosse bruto ou pesado, mas pelo contrário. Seu toque leve me fez parar. Meu corpo retesou, me transportando para um tempo onde tudo era mais fácil. Que toques gentis assim eram nossos códigos para sair de perto de todo mundo e ficarmos apenas nós. Tempo que nossa indecisão e brigas eram meus únicos e maiores problemas.

Nossos olhos se encontraram. Seus olhos de cor âmbar sempre foram excessivamente expressivos. Sempre soube o que estava acontecendo com ele ou o que ele estava sentindo só olhando para ele, mas agora seus olhos diziam e sentiam tantas coisas que me deixavam tonta.

Me desvencilhei dele com mais força do que gostaria, na verdade. Sai da capela sentindo a brisa gelada do mar me golpeando, o que me fez abraçar meu próprio corpo enquanto caminhava para longe da construção.

Me sentei sobre um muro baixo de pedra e tateei meus bolsos até encontrar meu isqueiro e um maço de cigarros. Na minha vida antes do caos eu não fumava, agora sentia como se fosse a única coisa a me relaxar.

Acendi meu cigarro dando uma tragada longa e profunda, deixando a fumaça tentar me aquecer por dentro.

Mais um vento forte soprou, trazendo o cheiro de água salgada e a memória de um dia de sol. Valentina estava com a boca toda suja de sorvete de chocolate e ela tentava construir com muito custo um castelo junto com papa. Depois fomos a um restaurante na beira da praia para comer. Lembro de ver o olhar admirado e orgulhoso de mamma para gente. Lembro de ter pensado que um dia queria poder olhar assim para minha família.

Porém, tão rápido como vieram, essas boas lembranças deram lugar aos flashs do que me lembrava terem sido esses últimos dias. Nada fazia sentido nem junto, muito menos separado. A única lembrança completa que tenho é de quando descobrimos que o carro, assim como papa haviam sido carbonizados, por isso o enterro seria simbólico. Lembro exatamente do peso da mão de mamma sobre meus ombros. Ela tinha perdido muito mais do que eu, então era meu dever ser forte por ela e por Valentina.

— Se sua mãe te visse agora, ela te bateria até não poder mais.

Reconheci a voz sem nem pestanejar. Francesco Fiori era o melhor amigo de papa, consigliere da Nostra Famiglia e pai de Matteo.

Dei ombros e dei um sorrisinho apático.

Ele se sentou do meu lado e acendeu seu cigarro.

— Estou preocupado.

— Vai tentar me fazer comer também? — perguntei tentando parecer humorada.

Ele franziu o cenho e fez uma careta.

— Se nem Matteo consegue, quem dirá eu.

Ele ficou em silêncio por alguns instantes e depois respirou fundo. Ele me olhou com seus olhos extremamente azuis.

— Minha preocupação é que essa não é nem de perto a pior parte e nem a mais difícil.

Ele se levantou e voltou para a capela.

Se essa não vai nem a pior e mais difícil coisa que vou passar, não quero saber qual vai ser.

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