4. Querida Vovozinha

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Em Yoria, pouco havia reclamações sobre o cotidiano. Por mais que fosse uma megacidade gigantesca, o zoneamento era menos estrito comparado a outras cidades de outros países; até mesmo os subúrbios de Valentine comportavam quaisquer localidades necessárias no dia a dia, como mercadinhos pequenos, escolas, etc, e graças às ruas majoritariamente estreitas, tornava-se cômodo caminhar a pé até quase qualquer local; e, para longas distâncias, ainda havia o transporte público (trem, metro, bonde, ônibus) que era supimpa. A segurança era mais um ponto forte da megacidade: quando relatavam-se anomalias, a região era ligeiramente evacuada e os caçadores eram notificados imediatamente sobre a situação. Ainda assim, diariamente havia baixas por causa de anomalias; o que, levando em consideração os mais de dez milhões de habitantes da metrópole, era um número bastante baixo.

Várias medidas foram analisadas no congresso para proteger a população das criaturas, mas o presidente era um sacana e decidira que seria melhor que as pessoas virassem caçadores por conta própria, e que a polícia cuidasse somente dos casos cometidos por criminosos humanos — não muito diferente de como era nos tempos antigos. No entanto, havia sim um compartimento específico do Olimpo de caçadores que trabalhavam diretamente em contato com o governo; um cargo raro que era composto quase inteiramente por caçadores extremamente poderosos, já que o governo dificilmente iria querer um conflito com tais caçadores.

Não é nem mesmo necessário dizer que os vagabonds não continham tal cargo; eram fracassados, e, nesse momento, estavam relaxando em uma linda casa com um tão lindo quanto jardim; que não era deles, mas sim daquela que chamavam de "vovó" — uma forma bastante fofa de se chamar uma velhinha se me permite dizer. Passando pela portinhola de madeira da mureta, seguindo o caminho do jardim e entrando no casarão decorado por vasos de plantas e flores e mobília nobre, se chegava na sala de estar, onde Nio se via deitado em uma cadeira reclinada almofadada, e entre ele e a poltrona: uma toalha branca, pintada com manchas vermelhas de sangue.

Alguns metros ao lado mexendo em uma gavetinha, estava uma velha senhora curvada, de aparência modesta, com óculos redondos e pequenos, vestindo uma touca bege com um pompom no topo por cima dos cabelos grisalhos, um vestido colorido em padrões excêntricos, um ponche de tricô e sandálias simples. Ela abriu a gaveta, onde dentro haviam vários dedos humanos de pele escura organizados um ao lado do outro; e a vovó pegou um deles, levantou, observou-o contra a luz, então fechou a gaveta e caminhou até onde Nio estava.

"Eu nunca me acostumo com isso", disse ele, com a mão pouco trêmula.

"Não se preocupe, jovenzinho", a vovó, com sua voz carinhosa, declarou. "Hm... deixa eu ver..."

Seus dedos magros ergueram o que havia da mão de Nio, pôs o dedo contra o pedaço aberto, mexeu um pouco para os lados enquanto Nio grunhia de forma quase inaudível, e retirou-o.

"Este vai ficar bem." A senhora largou o dedo em cima da toalha branca, inclinou o tronco e puxou da mesinha de madeira ao lado uma pequena agulha e um fiozinho enrolado. Novamente, ela pôs o dedo no lugar onde estava faltando. "Poderia segurar pra vovó?"

"Claro", disse ele, já segurando com sua outra mão.

A velhinha então perfurou o dedo com a agulha a qual já havia passado o fio e fez um ponto. Nio manteve a calma, por mais que doesse um tantinho, e a senhora puxou a agulha com delicadeza e fez mais um, e outro. Segundos depois, Nio levantou sua mão — o dedo estava ali, como se nunca houvesse o perdido.

"Ah, muito bom poder sentir isso de novo", disse, mexendo o dedinho.

"Sim, certamente", disse ela com um sorriso querido. "Eu vou pegar o outro."

"Que isso vovó!", disse Cris chegante pela porta do pátio dos fundos, flutuando deitado no ar. "Deixa que eu pego pra você."

"Ah, você é muito educado", disse ela, já levantando. "Mas a seleção é muito precisa, então eu mesma preciso escolher."

The Vagabonds: Clima CarmesimOnde histórias criam vida. Descubra agora