Formação de Cinzas

DRAKNAS (MEADOS DE 2160 - 2170) PASSADO PÓS INVASÃO

O farfalhar das folhas nas árvores do lado de fora a acordara de bom humor, como sempre. Os cânticos dos passarinhos deixavam Ylia completamente extasiada. Era disso que se tratava a ausência de arrependimento e a sensação de plenitude. Ylia tinha algumas ideias nada ousadas em mente para aquele belo dia.

Não sabia exatamente o que faria em específico, mas sabia o que deveria ser feito. Havia animais para cuidar e dar atenção, flores em um túmulo para reviver, e pessoas para as quais ela queria - e deveria - sorrir amplamente naquele dia azul de outono, se é que ainda existiam estações. Ela não sabia ao certo se era outono, obviamente. Mas, ao julgar pela quantidade de folhas no chão, poderia muito bem ser, exatamente como sua mãe a havia ensinado.

Ao suspirar na cama, preparando-se para encarar sua confortável rotina, o gato aos seus pés se espreguiçou. Neko era um felino leal, carinhoso, e muito diferente dos demais animais que viviam naquele lugar. Talvez as duas vacas lá fora fossem carinhosas também. Principalmente depois de terem sido nomeadas: Iriko e Irika (ninguém gostou do nome, mas Ylia não dava a mínima; as vacas eram suas, afinal).

Ela tocou com suas mãos quase cor de canela os cabelos dourados e sorriu. O dia estava ensolarado, radiante, e perfumado pelas flores extremamente saudáveis e majestosas que ela cultivava. Se alguma flor morresse ou adoecesse, ninguém precisaria se preocupar com nada (se é que flores se preocupam; a híbrida achava que sim, e se Ylia achava, então era o que era. Quem duvidaria de sua palavra?).

Sua casa era pequena, com quarto e sala, toda de madeira, de um jeito que agradava os olhos e refrigerava a alma. Seu pequeno e rotativo povo morava com ela na fazenda, onde plantavam e viviam em harmonia com as plantas e animais vivos. Lá ventava bastante e, aos seus doze anos, Ylia aparentava vinte e três de idade humana (uma informação pouco relevante. Mas não para ela, que sempre fazia questão de mencionar isso nas conversas noturnas com alguém na outra hospedagem: o casarão. E se era importante para Ylia, quem deixaria de fazer uma cara de surpresa ao saber de sua idade?).

Mas ninguém ali tinha conhecimento de que ela era fruto de uma união atípica. Ninguém sabia que ela havia erguido aquele lugar sozinha, ainda quando a Terra estava matando humanos que não podiam se beneficiar da tecnologia alienígena. E muito menos que ela dava vida ao que tocava com essa intenção. Para seu povo rotativo, Ylia não passava de uma híbrida solitária. Tão solitária que Deus, ou os Deuses (dependendo da crença dos hóspedes rotativos), a abençoaram com um lar vivo. Porque ao redor dali, nada mais havia restado.

Nem dona Maria, moradora há quase um mês na fazenda, percebeu que seu filho, que estava gravemente doente, sarou milagrosamente após uma visita de Ylia. E Neko, o gatinho, nem notara que havia morrido anos atrás, quando Ylia o reviveu, tornando-o sua primeira companhia efetiva.

A fazenda era antiga e, logo após os bombardeios, se transformou em mais um de tantos cemitérios. Era um território à parte, no meio de um deserto, escondida em algum lugar onde, um dia, houvera um pasto verdejante. Um guardião de um lar que pertencera a pessoas agora mortas: um casal de quem ninguém jamais ouviria falar, que, depois da fama conquistada em atuações para o cinema numa época passada, construiu a fazenda e se mudou para envelhecer juntos, longe dos holofotes e da atenção do público fanático.

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(10 - 20 ANOS NO PASSADO)

Clark, um garoto branco, magricela e baixinho, estava com Milla, uma mulher negra de um metro e oitenta de altura, quando precisaram fugir para a nave. Haviam a invadido durante a guerra assim que ela pousou no meio de um pandemônio, um massacre absoluto. Tentaram se esconder nela, e foi ali que Milla conheceu Kiun, o alien rebelde, um parasita de pele dourada e raro, que não queria participar da carnificina externa. Eles se aliaram, exterminando todos que tentavam entrar na nave, fechando-a e partindo para longe (vamos resumir para que não se torne mais um livro neste momento).