O PREÇO DO AMANHÃ (MEADOS DE 2150 - 2160) PASSADO PÓS INVASÃO

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Anaya montava um alazão preto de olhos vítreos ao lado da pequena Zulu. Humanas, ela e a criança ao seu lado caminhavam, a menina sorrindo para os raios de Sol que tocavam e acarinhavam seu rosto negro como a noite.

Olhando de cima, Anaya respondeu à pergunta da menina: - Quando poderemos ir ao continente da Vida?

- Por enquanto, não, Zulu.

- Mas mãe...

- Chamamos assim porque um dia haverá vida. Rodger nos ajudará com isso - respondeu, descendo do cavalo e caminhando até a entrada da aldeia.

A menina observou a mãe atravessar a aldeia em silêncio, entre as pequenas habitações de barro. O vestido branco de Anaya, quase fantasmagórico, ornava sua pele negra retinta, e a coroa de prata brilhava em sua cabeça careca. Uma rainha era o que ela era. E Zulu, mesmo com seus apenas nove anos, já entendia a razão do vestido, do adorno e do passeio a cavalo logo ao amanhecer.

O ritual aconteceria naquele dia, e sua mãe escolheria, entre as crianças do povoado fértil, aquela que considerasse a mais pura e de coração bondoso para ser entregue às deusas como sacrifício.

Os pais se despediriam dela aos berros. E o clamor do luto ecoaria pela aldeia durante dias. As deusas se saciariam com a dor, e então haveria paz - até que, simultaneamente, três mulheres engravidassem novamente, o sinal de que as deusas permitiam o nascimento de novas crianças, mas que, depois, exigiriam outro sacrifício. Se não recebessem, todos ali pereceriam, de fome, de escassez e infertilidade.

Todos compreendiam esse ciclo, até mesmo o luto, sagrado após a convocação do escolhido.

A rainha endireitou a postura e disse, em um tom grave, sem deixar espaço para questionamentos: - Separem Nassor. Voltarei para buscá-lo ao anoitecer.

- Mas, Anaya... Nassor não tem nem cinco anos de vida. E desejamos tanto ele... Eu o desejei a vida inteira. De que adiantaria...

- Hoje é rainha Anaya, Mahari. Não se preocupe com o futuro, pois ele pertence às deusas. Irei me reunir com o sacerdote agora. Preparem a criança e se despeçam - disse a rainha para a mãe, e para a aldeia silenciosa, que se ajoelhava enquanto ela passava, incluindo Zulu.

A menina sabia para onde Anaya iria. Para a última e maior cabana da aldeia, onde aquele que a mulher chamava diante dos outros de sacerdote, Rodger, estava.

A rainha entrou na cabana em silêncio e o viu: um homem alto, um tanto forte, muito branco, com cabelos negros presos em um rabo de cavalo longo, de pé diante de uma mesa de madeira. De baixo dela, vinha um fedor terrível, podre, emanando do subsolo.

O odor a atingiu como um soco, e a bile subiu à sua garganta, mas ela a conteve, forçando-a a descer.

- Ah, sinto muito, querida. Elas estão entediadas, por isso fizeram você sentir o cheiro. Sinto muito - disse ele, passando a mão direita pela testa pálida e suada.

Ela mal sabia há quanto tempo ele permanecia ali, perdido em sua própria mente, consumido pelas memórias e pela escuridão. O cheiro, então se dissipou, trazendo alívio.

- Acho que deveríamos repensar o sacrifício de Nassor. Mahari está certa. E eu concordo com ela. - Anaya falou ao se recompor.

- Não há o que concordar ou discordar. Nenhum de nós, na verdade. Quantos anos fazem? Trinta? Desde que o mundo que eu conhecia virou pó sob meus pés? Sinto muito, mas isso precisa acabar. Se continuarmos obedecendo, uma hora isso terá fim... tem que acabar... Não tem que concordar, ou discordar - respondeu ele, até que seus olhos ficaram vítreos, como se sua alma tivesse deixado o corpo.

Formação de CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora