MERGULHO EM LEMBRANÇAS (NARRADO POR SKIRAH EM MEADOS DE 2200 - 2210)

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Nixie pôs suas mãos em minha cabeça e, de repente, eu estava dentro de uma pia de metal enferrujada, chorando baixinho. Ao meu lado, havia um bebê.

— Skirah, não se veja por dentro de si mesma, seja espectadora de fora, como eu. — Ouvi a voz da elemental como se estivesse distante e abafada, então, de repente, estávamos eu e ela de pé dentro da cena, observando a cuba onde duas recém-nascidas se encontravam.

— Estamos nas suas memórias mais antigas. Está vendo aquelas duas garotinhas dentro da pia, chorando?

Olhei para as duas crianças idênticas com poucos fios capilares na cabeça. Uma com fios cor vermelho-sangue e a outra com os fios cor laranja, vivos e brilhantes como em um pôr do sol.

— O que isso significa?

— Ali são você e sua irmã, Moriá.

Sou eu ali? A do cabelo laranja? Sussurrou a voz em mim de forma tão afável que quase me deu vontade de respondê-la.

— Pela sua cara, está no mínimo confusa. Vou explicar. Já ouviu falar do seu pai?

— Não, Lúcia não gostava de—

— Então. Ouça atentamente. — Ela disse em meio ao choro alto repentino das bebês. — Sua mãe tinha um caso com um humano que mais tarde se tornaria um caçador nômade. Dessa relação proibida nasceu um lindo menino que foi cuidado pelos pais de Pedro, o homem em questão. Isso aconteceu porque ela tinha um outro relacionamento na época com um senhor muito poderoso que não poderia saber da existência do garotinho. O Juven. O que prendeu a minha amiga, lembra? — Nixie aguardou, porém notando que não obteria resposta, seguiu com o monólogo — Contudo, a criança cresceu e acabou sendo exposta, assim como sua mãe biológica, o que levou ela, Lúcia, a ser punida e levada para a inseminação. Entretanto, apesar dos esforços dos avós, pais de Pedro, para cuidar do pequeno, sua mãe ficou extremamente desgostosa com o governo humano e com o antigo namorado por tê-la feito ser inseminada à força. Portanto, Pedro, Castiel e Lúcia fugiram de lá da base, levando consigo seu precioso menininho, e, na fuga, acidentalmente descobriram uma das cavernas próximas dos nossos covis no território, longe daqui. Aqui é o principal covil, só para deixar claro. Dentro dessa pequena caverna estava a famosa e irresistível Callidora, minha irmã, que imediatamente demonstrou interesse pelo papai caçador. Vale te contar que ninguém nunca foi atraente para a nossa esplêndida Callidora. É tão empolgante o destino, não acha?!

— Desculpe... é informação demais pra mim... minha mãe fugiu da base do governo comigo antes que eu nascesse...?

— Preste atenção, menina! Acho que me perdi. Estou velha demais..., mas continuemos. Ela não fugiu da base propriamente dita, e sim da vila humana integrada à base. Depois de inseminada, ela foi solta para passar a gestação em paz, em casa com o vovô e a vovó paternos do Castiel. Repita comigo: vo-vô — ela disse rindo logo em seguida, em meio ao choro das bebês, como se estivesse contando uma história muito divertida — mas, voltando, o caçador que é seu padrasto era estranhamente imune aos encantos de Callidora, o que causou nela o que chamamos de "ira", um sentimento muito forte voltado para sua mãe, e ele é um daqueles sentimentos que nos faz agir impulsivamente. Porém, Callidora, que não era nada ingênua e não gostava de disputas onde ela não ganhasse, notando a óbvia gravidez de sua mamãe, fez um acordo com ela: ou Lúcia deixava o Pedro de lado, ou sacrificava a vida de sua menina primogênita, a qual serviria como alimento.

— O que ela ganharia com a morte de um bebê? — Perguntei séria, ainda fitando as crianças.

— Poder e mais beleza pra ela, prazer para as pedras celestiais que adoram uma desgraça, obviamente! Então, como pode imaginar, sua mãe escolheu a segunda opção, torcendo para que nascesse mais um menininho como o seu amado Castiel.

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